por Artur Azevedo*
Havia baile naquela noite em casa do Cachapão, o famoso mestre de dança, que alugara um belo sobrado na Rua Formosa, onde todos os meses oferecia uma partida aos seus discípulos, sob condição de entrar cada um com dez mil-réis.
D. Maricota e sua sobrinha, a Alice, eram infalíveis nesses bailes do Cachapão.
D. Maricota era a velha mais ridícula daquela cidadezinha da província; muito asneirona, mas metida a literata, sexagenária, mas pintando os cabelos a cosmético preto, e dizendo a toda a gente contar apenas trinta e cinco primaveras – feia de meter medo e tendo-se em conta de bonita, era D. Maricota o divertimento da rapaziada.
Em compensação, a sobrinha, a Alice, era linda como os amores e muito mais criteriosa que a tia.
O Lírio, moço da moda, que fazia sempre um extraordinário sucesso nos bailes de Cachapão, namorava a Alice, e no baile anterior lhe havia pedido… um beijo.
– Um beijo?! Você está doido, seu Lírio?! Onde? Como? Quando?
– Ora! Assina você queira…
– Eu não dou; furte-o você se quiser ou se puder. Isto dizia ela porque bem sabia que as salas estavam sempre cheias de gente, e a ocasião não poderia fazer o ladrão.
Demais, D. Maricota, a velha desfrutável, que andava um tanto apaixonada pelo moço, que aliás podia ser seu neto, tinha ciúmes e não os perdia de vista.
Mas o Lírio, que era fértil em idéias extraordinárias, combinou com um camarada, o Galvão, que este entrasse no corredor do sobrado às 10 horas em ponto, e fechasse o registro do gás.
Se o Lírio bem o disse, melhor o fez o Galvão; mas ao namorado saiu-lhe o trunfo às avessas, como vão ver.
Faltavam dois ou três minutos para as 10 horas, quando ele se aproximou de Alice e murmuroulhe ao ouvido:
– Aquela autorização está de pé?
– Que autorização?
– Posso furtar o beijo?
– Quando quiser.
– Bom; vamos dançar esta quadrilha.
Mas a velha D. Maricota levantou-se prontamente da cadeira em que estava sentada e enfiou o braço no braço do moço, dizendo:
Perdão, seu Lírio! Esta quadrilha é minha! O senhor já dançou uma quadrilha e uma valsa com Alice!
E arrastou o Lírio para o meio da sala.
De repente, ficou tudo às escuras.
Passado um momento de pasmo, D. Maricota agarrou-se ao pescoço do Lírio e encheu-o de beijos, dizendo muito baixinho:
– Ingrato! Ingrato! Foi o meu bom amigo que apagou as luzes!
E aqui está como ao Lírio saiu o trunfo às avessas.
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*Artur Nabantino Gonçalves de Azevedo (1855 – 1908) foi um dramaturgo, poeta, contista e jornalista brasileiro.
kkkkkkkkkkkk!! Esse enredo dele não me é tão alienígena assim!! Já presenciei algumas D. Maricotas, Alguns Lírios e algumas belas Alices!! O sistema educacional brasileiro, ou melhor, os professores de português são muito tolos em sua maioria; e, vez de forçarem os alunos com Machado de Assis entre outros complexos deveriam mesmo era começar com textos sociológicos como estes!! Tão claro isso!!! Se o aluno for conquistado, é e está evidente que quererá ler e conhecer mais!! O que mais via no filmes da sessão da tarde eram filme de escolares onde sempre mostravam alunos fazendo peças de teatro (lógico, mérito a quem os merece). Outra leitura, Noite na Taverna mesmo?? Alvares de Azevedo quantas pessoas deixam lê-lo por falta de alguém que os apresente? Só ouço e leio comentários: ” – Gosto de histórias de terror e fantasmas.” Onde mora a culpa afinal?
Mais uma coisa é verdade, o teor da literatura brasileira no que constar sua acidez social, sarcasmo e tiradas é muito complexo para uma sociedade de leitura desleixada e com a qualidade de leitura e interpretação que apresentamos de forma geral puffff… Só mesmo os conteúdos modernos como os das novelas e os de J.K Rowlings etc para sobreviver, lógico que com a força do cinema e de muita mídia e olha que há pessoas que sabem escrever bem no Brasil (escrever bem é diferente de escrever muitas páginas rsrsrs – Novelas da Globo por exemplo)!! Continuem apresentando essa galera!!
Uma ideia para vocês!! Peguem pessoas que vocês conhecem do teatro e organizem pequenas representações de fragmentos como este em cima e postem (youtube) acompanhado o texto afinal de contas o tempo hoje é de muita imagem.