Friquinique: os anormais param para tomar um cafezinho

por Roberta AR

Aberração é aquilo que não se encaixa, que dá medo, repulsa, nojo, ou apenas deixa desconfortável. Não somos educados a lidar com o que é diferente e ficamos apontando o dedo para tudo o que não é normal, de acordo com o que nos ensinaram. Daí, o que consideramos bizarro, e aqui estamos falando de pessoas, vira atração de circo, mesmo que não num circo de verdade.

Mas, numa dimensão imaginária, os ditos estranhos vivem seus cotidianos absolutamente rotineiros e tranquilamente entre aqueles que de se autodesignaram normais: trabalham, comem, passeiam, namoram. Esse é o universo explorado pelo livro Friquinique, da editora Beleléu, lançado no FIQ 2013. Na apresentação do livro, Bruno Azevêdo pergunta: “mas o que fazem os esquisitos quando não estão ‘em exibição’? Qual o cotidiano dos ‘inadequados’? Por quais dramas passam quando a dramatização acaba e o pano baixa? Como o homem sem braços passa manteiga no pão? A mulher barbada depila as axilas?”.

 

São quadrinhos de Stêvz, Rafael Sica, El Cerdo e Eduardo Medeiros, numa linda encadernação em capa dura, que traz quatro pequenos livrinhos encartados como encantadoras surpresas que nos pegam durante a leitura. E ainda tem um pôster/sobrecapa… Uma edição cuidadosa, que conseguiu ocupar um lugar ao lado da Imprensa Canalha no meu coração (quem me conhece sabe como eu gosto dos trabalhos do José Feitor).

(folheie o preview da publicação aqui)

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Mesmo não se tratando de uma obra de terror, não consegui deixar de pensar porque é tão difícil ver obras que se relacionem com o tema por essas bandas (neste caso foram os freaks que me conectaram). Fui num debate com o José Mojica Marins (50 anos de Zé do Caixão!) faz pouco tempo e o mediador, Carlos Primati, um dos maiores especialistas em cinema de terror no Brasil, relatou algo fácil de perceber: que existe um grande preconceito com obras de terror no país e que financiadores do cinema não costumam patrocinar o gênero, o que torna a coisa ainda mais rara. É relativamente fácil encontrar quadrinhos de terror, mas nacionais a coisa complica um pouco, se for por editoras a coisa é ainda mais difícil. O que é fácil de achar é quadrinho de humor, algumas obras mais intimistas, que costumam chamar de autoral, mulheres seminuas em outras, revistas infantis…

Penso, cá com os meus botões, que há pouco espaço para a fantasia, para cutucar o lado sombrio, os medos ocultos, os preconceitos, as bizarrices de cada um e coletivas. Somado a isso ainda tem o medo de parecer tosco, feio, viceral demais, ou algo assim, e acabar chocando o público (que até aqui é imaginário e frágil em excesso) e partimos para a correção estética, o polido, o engraçadinho, o erotismo infantilizado, o racional e o racionalmente aceitável.

Friquinique não é uma obra densa e analítica, é um tanto sombria em alguns momentos, divertida na maior parte, mas causa esse estranhamento ao tratar com naturalidade o que é repudiado. Uma leveza que dá uma tonteirinha que não sabemos de onde vem. Ou sabemos. Por que quem é que é tão normal assim?

7 comentários em “Friquinique: os anormais param para tomar um cafezinho

  1. Infelizmente, o gênero fantástico ainda não tem grande aceitação por parte de patrocinadores/editoras por aqui. Não se segue a velha lógica do capitalismo de oferta-demanda. Há, por parte do público jovem, uma grande demanda de terror, que editores ignoram olimpicamente, preferindo seguir o caminho mais fácil da tradução de autores consagrados estrangeiros (leia-se lucro fácil). Há sem dúvida, alguns poucos abnegados que conseguem trilhar o caminho do sucesso, enquanto que existem talvez milhares de Poes e Lovecrafts mendigando pelos becos escuros de São Paulo.

    Existe a questão do preconceito, a questão cultural, moral? Sim, certamente. Mas o terror sempre foi maldito, marginal e FRIQUINIQUE. Terror mainstream é que é estranho. O que se precisa no terror nacional é organização, cena sólida e – aí sim – financiamento, coisa que sem a mínima estrutura editorial/de cinema como aqui estamos acostumados há anos a ter nunca vamos conseguir. Mas felizmente, com o advento das novas mídias (internet/tablets/You Tube etc.) é cada vez maior o número de autores/produtores independentes que se libertam das amarras do circuito tradicional trilhado por tantos outros. Já é um alento!

    Pra finalizar meu looongo comentário, queria concordar com a autora do post no que se refere ao tipo de gênero costumeiramente publicado no Brasil. Realmente parece que o mercado editorial viciou-se num só tipo de coisa, assim como a TV aberta oferece o mesmo tipo de programação para o seu público há anos e anos e acha que está “bom” só porque “se consome por causa do ibope”. Outro dia me perguntaram se as poesias que “cometo” tem algum tipo de erotismo/sexo/putaria. Sei lá, talvez não seja mais “vendável” escrever o que se sente. Taí uma boa ideia: vou fazer um “50 Tons de Vermelho-Inferninho” em formato de poesias e faturar uma grana preta.

  2. Belo post, Robbes! Belo comentário, Fernando! Aproveito para apresentá-los! Robbes, esse é o Fernando… amigo meu de priscas eras (e o esforço para não te chamar de Fernandinho) e escritor de mão cheia (apesar de vergonhosamente ainda não ter lido seu livro de terror lançado na Bienal de 2006… ou seria 2008?). Fernando, essa é a Roberta… amiga de longa data e minha chefe no Facada! Pronto!

  3. Heheheh, prazer Roberta, bom te conhecer, bom falar contigo! O André é o cara que me levou ao mau caminho das Facadas e que nele estou até hoje. Um dos poucos que permito chamar de “Fernandinho” sem levar a respectiva punhalada – isso se ler meu livro lançado na Bienal de 2008 (hahaha, brincadeira!!!…) No mais, parabéns pelo site e continue com o excelente trabalho. Abs.

  4. Prazer também, rs. Que bom que o texto conseguiu ir além de uma impressão pessoal do tema e bate no “mundo real”, pois é um gênero que me interessa, o fantástico. Agora fiquei curiosa com relação a seu trabalho, Fernando. Alguma chance de rolar por aqui? (sem pressão, hehehe)

  5. Claro! Em http://terroresnoturnos.blogspot.com.br/ (que está mais arruinado do que um casarão num filme do Drácula), meu antigo blog, tem vários trechos do livro, poemas de minha humilde autoria… ou, se preferir, eu mando um exemplar, sem custo nenhum!… Rs

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