por Emma Goldman*
A dúvida reina no espírito dos homens, pois nossa civilização treme em suas bases. As instituições atuais não mais inspiram confiança e os mais inteligentes compreendem que a industrialização capitalista vai contra os próprios objetivos que diz perseguir.
O mundo não sabe como sair disso. O parlamentarismo e a democracia periclitam e alguns creem encontrar salvação optando pelo fascismo ou outras formas de governos “fortes”.
Do combate ideológico mundial sairão soluções para os problemas sociais urgentes que se apresentam atualmente: crises econômicas, desemprego, guerra, desarmamento, relações internacionais, etc. Ora, é dessas soluções que dependem o bem-estar do indivíduo e o destino da sociedade humana.
O Estado, o governo com suas funções e seus poderes, torna-se, assim, o centro de interesse do homem que raciocina. Os desenvolvimentos políticos que ocorreram em todas as nações civilizadas levam-nos a fazer essas perguntas: desejamos um governo forte? Devemos preferir a democracia e o parlamentarismo? O fascismo, sob uma ou outra forma, a ditadura, quer seja monárquica, burguesa ou do proletariado, oferecem soluções aos males ou às dificuldades que atormentam nossa sociedade?
Em outros termos, conseguiremos apagar as taras da democracia com a ajuda de um sistema ainda mais democrático, ou devemos cortar o nó górdio do governo popular com a espada da ditadura?
Minha resposta é: nem um, nem outro. Sou contra a ditadura e o fascismo, e oponho-me aos regimes parlamentares e às pretensas democracias populares.
É com razão que se falou do nazismo como de um ataque contra a civilização. A mesma coisa se poderia dizer de todas as formas de ditadura, opressão e coerção, pois o que é a civilização? Todo o progresso foi essencialmente marcado pela extensão das liberdades do indivíduo em detrimento da autoridade exterior, tanto no que concerne à sua existência física quanto à política ou econômica. No mundo físico, o homem progrediu até controlar as forças da natureza e utilizá-las em seu próprio proveito. O homem primitivo realiza seus primeiros passos na estrada do progresso quando logra produzir fogo, triunfando assim sobre o próprio homem, e reter vento e captar água.
Que papel a autoridade ou o governo desempenharam nesse esforço de melhoria, invenção e descoberta? Nenhum, ou melhor, nenhum positivo. É sempre o indivíduo quem realiza o milagre, geralmente a despeito das proibições, das perseguições e da intervenção da autoridade, tanto humana quanto divina.
Da mesma forma, no campo político, o progresso consiste em afastar-se cada vez mais da autoridade do chefe de tribo, de clã, do príncipe e do rei, do governo e do Estado. Economicamente, o progresso significa mais bem-estar para um número de pessoas incessantemente crescente. E, culturalmente, ele é o resultado de tudo o que se realiza algures: independência política, intelectual e psiquica cada vez maior.
Nessa perspectiva, os problemas de relação entre o homem e o Estado revestem uma significação completamente nova. Não é mais questão de saber se a ditadura é preferível à democracia, se o fascismo italiano é superior ou não ao hitlerismo. Uma questão muito mais vital se nos apresenta: o governo político, o Estado, é proveitoso para a humanidade? Qual é sua influência sobre o indivíduo?
O indivíduo é a verdadeira realidade da vida, um universo em si. Ele não existe em função do Estado, ou dessa abstração denominada “sociedade” ou “nação”, que não é senão um ajuntamento de indivíduos. O homem sempre foi e é – necessariamente – a única fonte, o único motor de evolução e progresso. A civilização é o resultado de um combate contínuo do indivíduo ou dos grupamentos de indivíduos contra o Estado, e até mesmo contra a “sociedade”, quer dizer, contra a maioria hipnotizada pelo Estado e submetida a seu culto. As maiores batalhas já travadas pelo homem foram contra obstáculos e prejuízos artificiais que ele próprio se impôs e que paralisam seu desenvolvimento. O pensamento humano sempre foi falseado pelas tradições, pelos costumes, pela educação enganadora e iníqua, dispensada para servir os interesses daqueles que detém o poder e gozam de privilégios; ou seja, pelo Estado e palas classes proprietárias. Esse conflito incessante dominou a história da humanidade.
Podemos dizer que a individualidade é a consciência do indivíduo de ser o que é, e de viver essa diferença. É um aspecto inerente a todo ser humano e um fator de dese volvimento. Estado e as instituições sociais fazem-se e desfazem-se, enquanto a individualidade permanece e persiste. A própria essência da individualidade é a expressão, o sentido da dignidade e da independência – eis seu terreno de predileção. A individualidade não é esse conjunto de reflexos impessoais e maquinais que o Estado considera como um “indivíduo”. O indivíduo não é apenas o resultado da hereditariedade e do meio, da causa e do efeito. É isso e muito mais. O homem vivo não pode ser definido: ele é fonte de a vida e de todos os valores; ele não é uma parte disso ou daquilo: é um todo, um todo individual, um todo que evolui e se desenvolve, mas que permanece, contudo, um todo constante.
A individualidade assim descrita nada tem em comum com as diversas concepções do individualismo e, sobretudo, com aquele que denominarei “individualismo de direita, à americana”, que é tão somente uma tentativa disfarçada de coagir e vencer o indivíduo em sua singularidade. Esse pretenso individualismo, que sugere fórmulas como “livre empresa”, “american way of life”, arrivismo e sociedade liberal, é o laisser-faire econômico e social: a exploração das massas pelas classes dominantes com a ajuda da velhacaria legal; a degradação espiritual e o doutrinamento sistemático do espírito servil, processo conhecido sob o nome de “educação”. Essa forma de “individualismo” corrompido e viciado, verdadeira camisa de força da individualidade, reduz a vida a uma corrida degradante aos bens materiais, ao prestígio social; sua sabedoria suprema exprime-se numa frase: “Cada um por sie maldito seja o último”.
Inevitavelmente, o “individualismo” de direita desemboca na escravidão moderna, nas distinções sociais aberrantes, e conduz milhões de pessoas à sopa dos pobres. Esse “individualismo” em questão é o dos senhores, enquanto que o povo é arregimentado numa casta de escravos para servir a um punhado de “super-homens” egocêntricos. Os Estados Unidos são, sem dúvida, o melhor exemplo dessa forma de individualismo, em nome do qual a tirania política e a opressão social são elevadas à posição de virtudes, enquanto que a menor aspiração, a menor tentativa de vida mais leve e mais digna será imediatamente considerada como antiamericanismo intolerável e condenada, sempre em nome desse mesmo individualismo.
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*Emma Goldman (1869 — 1940) foi uma anarquista lituana, conhecida por seu ativismo, seus escritos políticos e conferências que reuniam milhares de pessoas nos Estados Unidos. Teve um papel fundamental no desenvolvimento do anarquismo na América do Norte na primeira metade do século XX.
Não sei porque, mas houve um corte no poste???
“A dúvida reina no espírito dos homens, pois nossa civilização treme em suas bases (Brasil). As instituições atuais não mais inspiram confiança e os mais inteligentes compreendem que a industrialização capitalista vai contra os próprios objetivos que diz perseguir” <= Só esse pensamento dela já valida um cometário 1869-1940!!! sem nem se estressar com a leitura toda porque já dá para perceber que nós é que estamos vivendo na caverna. Por exemplo: vivemos no século XXI e o pensamento atrasado de gângasta rap/funk, uma expressão violenta do capitalista de rua por assim dizer, agoooooooooooooooooora é que está sendo modinha televisiva no horário nobre kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk.
“O mundo não sabe como sair disso. O parlamentarismo e a democracia periclitam e alguns creem encontrar salvação optando pelo fascismo ou outras formas de governos “fortes”.” <= É o Brasil na sua eterna atualidade atrasada com a força das mídias não-me-toquem, a nata de artistas da elite com uma pseudo-burguesia champagne/caviar que esbanja luxo na base do crédito e dos populistas jornalista policiais. Há um grupeto que fomenta atualmente um fascismo pró-burguês onde usarão a plebe rude como bucha de canhão para suas passeatas; assistam os próximos capítulos.
Curti o fato de salvar o texto em PDF!