por Biu*
Isso tudo tem a ver com tédio, também.
E só ocorreu-me há pouco que o ego é uma invenção deles, não minha, que os invento, e chega a ser cômico vê-los tentando agarrar-se a esse trambolho tão desesperadamente para não se afogarem no mar, no cold black sea. Que esse bicho flutue, é um milagre, sem dúvida. Você não acha? E seria realmente de muitíssima utilidade, se não mordesse.
Porra, que azar! Há tanto tempo sem terra firme e vagando no espaço, monologando com a bóia-cão, escrevendo no papel branco e comendo gafanhotos. De catâmbrias. Número doze: É elefante com certeza. Branco. Saco cheio de tanto esperar.
Eu quase me identifico com essas minhas crias…
E aí vem ela. A maré enche novamente, a lua esvazia, eu subo. Minhas estruturas cedem, novamente. Em suas lascas moram ratos. Não me importo, aqui estão todos de passagem. Muitos riscos em minha pele. Eles sumirão e quem os riscou também, de um jeito ou de outro. Estão todos de passagem.
Ela me seduz. E com que facilidade, com o seu vai e vem. É sempre doído desgrudar das bases, mas eu nunca ofereço resistência e deixo que me inunde. Eu gosto de seus pés, de lambê-los quando ela geme, e gosto de seu sexo quando encharca. Ela gosta de ser fodida com força, e sendo assim, assume a posição, ou segurando os tornozelos, pernas grossas esticadas, ou de quatro, quando às vezes peço para que abra seu sexo para mim, e ela o faz. Quando estou em forma ela acompanha o ritmo soprando, a marcha acelerada, e ultimamente responde todas as sacanagens com – hum hum.
Mais uma lua. Acendo outro cigarro. Dou o bilhete, passo a roleta. Vejamos o que a maré baixa nos deixou… Algumas decepções, cacos de sonhos, como sempre, e o solo fértil, onde plantar novos.
Embarco. Sem mim, a plataforma desaba. Seus ratos e homens afogam-se, mas não nessa ordem. De que adiantou tanto debaterem-se, não importa mais. Uma senhora aparece com seu filho, me explica que ele está enjoado e me pergunta se faço questão da janela. Eu respondo que sim.
Durante a viagem, apreciando a paisagem, eu sentirei a princípio alívio, respirando o ar puro, e depois prazer, e, então, no ápice de meu prazer, regozijando, de meu lado, do boy da velha, virá o jorro, eu sei, mas dou de ombros à desaprovação geral, abro a janela e inclino a poltrona. É a minha natureza.
Durmo. Acordo, e estou de volta à plataforma, que está novamente de pé. Tudo está como antes e eu acharia que tudo não passou de um sonho, não fosse o vômito em minhas calças. Confuso, pergunto ao motorista que lugar é este, ele olha curioso para mim e estira-me uma flanela. Recuso com um gesto. Francamente. Tenho mais com o que me preocupar.
Desço. Sou eu novamente, Severiano Araújo, Terminal Rodoviário Severiano Araújo, para ser exato. Edificado sobre um mangue. Agora sei como eles se sentem, estes meus hóspedes transeuntes, e juro para mim mesmo que jamais passarei por aquela roleta outra vez, mas, aí, vem ela.
… e é assim desde sempre. Festa e catástrofe. Estamos todos de passagem.
– Boa noite, eu sou quem vai levá-los de volta aonde desejam chegar. As janelas vermelhas são saídas de emergência, mas nunca funcionam, o uso do cinto é opcional. Boa viagem.
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*Biu é paraibano, farmacêutico e faz quadrinhos.