por Biu*
Era uma noite fria quando cheguei ao Hotel Velho Mundo. Um labirinto barroco. Suas tábuas rangem a história de três civilizações.
No céu a velha lua cheia eclipsou.
Não há ascensorista, tampouco elevador. Eu arrastei a velha mala que foi de meu avô e depois de minha mãe por seus batentes e corredores até meu quarto, o de número 43, e lá me tranquei e sentei na cama, cansado da viagem. E então dormi um sono sem sonhos.
Quando acordei examinei melhor o quarto: Uma TV, um espelho, uma cama, um criado-mudo, um abajur, um telefone, uma escrivaninha, um carpete, uma toalha, um sabonete, um banheiro, cortinas abertas e uma janela por onde entrou a luz do dia que me acordou.
Ergui-me e caminhei até ela, para fechá-la, para voltar a dormir. Espiei lá fora e lembrei-me onde estava, mas não porque estou aqui.
Eu ouvi muitas histórias sobre este lugar, e tantas que já mesmo estava aqui antes de aqui chegar.
Foi por isso que vim, lembrei.
Eu conto histórias e por elas sou contado, assim sinto-me vivo, só assim. Viver é para mim uma viagem eterna movida à blá-blá-blá, uma digressão. Desacelerar é, portanto, aproximar-se da morte, não se vive à meia-embreagem. E tendo não sei porquê começado a tratar da vida como um mecânico, resolvi desistir de voltar para a cama, engatar logo uma terceira marcha e descer para um café.
Forte, sem açúcar. A garçonete não me olha, não pára de fazer o que está fazendo, e ainda assim está a me atender. O café vem, forte, sem açúcar. Considerados os oito mil quilômetros de distância que ele viajou desde o novo mundo, minha casa, até chegar à minha mão aqui no velho mundo, foi o melhor atendimento que tive na vida. Não há café como o do velho mundo, modéstia à parte.
Recomposto, reabastecido, de tanque cheio, por assim dizer, ponho-me em marcha. Tenho um compromisso, estou atrasado, três horas atrás, mas não é culpa minha, é do mundo, que gira, como as rodas de meu verbomóvel.
Marcos Raposão, é o nome do homem. Ele é topetudo, tem as sobrancelhas pregadas, como as minhas, e me considera um egoísta. Bem, ele está certo, como sempre.
Ele está agora em seu gabinete, anunciaram que tem alguém à sua espera, ele termina o que estava fazendo, levanta-se, caminha sem pressa, o que passa por sua cabeça nessa hora, Marcos?
– Olá, prazer.
– Oi, como vai?
– E então, fez boa viagem?
– Sim. Tinha TV no avião.
– Uau.
– Não sei porque disse isso.
– Não importa.
– …
– Trouxe a mala?
– Sim, está no hotel.
– É o que importa.
– O que há na mala?
– Isso também não importa.
– Você também não sabe?
– Não.
– Nem quer saber?
– Não. Este negócio depende de confiança mútua. Você cumpre sua parte, eu cumpro a minha, é tudo.
Eu ouvi muitas histórias sobre este lugar, e tantas que já mesmo estava aqui antes de aqui chegar.
Foi por isso que vim e é por isso que volto. Na mala, histórias.
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*Biu é paraibano, farmacêutico e faz quadrinhos.