por Biu*
2011 agora é só um rastro: a sobra da sombra do vácuo. fogo fátuo. o lastro com que se mede o fato de que o amanhã não é de ninguém.
à meia noite os dias vêm: vão, chão, clarabóia, janela, porta, calçada, estrada, passagem para o além.
à meia noite hoje é ontem. amanhã é hoje à meia noite.
11:59, e ele ali parado, deitado, de olhos fechados. de repente ri.
e aí, o bom bom bom bom bom bom bom bom bom bom bom bom e velho relógio de parede começa resfolegar. seu pêndulo balançando para lá e para cá. seu eco preenche a casa toda.
ele então ergue-se e decide fazer alguma coisa, qualquer coisa. uma volta, um lanche, um… bar?
ri bom bar. doze vezes. meia noite. bom dia! já era mesmo hora de acordar.
acende um cigarro, coça o saco, lava a louça, toma um banho, troca a roupa e põe-se a encher bexigas de ar. enche 150 delas. na quinquagésima começam estourar. pop.
tic tac soa o tempo escorrendo pelas paredes das horas enquanto, pop, vão-se indo as bexigas coloridas, abrindo espaço nessa vida para o nada se espraiar.
algumas murcham.
pop!
indiferente ao bexigocídio generalizado que pulula ao seu redor, nosso herói cruza a sala e em seu meio pára e impaciente olha o relógio trabalhar. parece com pressa. parece que, pop, já não vê a hora desse dia acabar. nosso herói é mesmo um trouxa. não percebe, a besta, que de tão quadrada não anda, se arrasta, que, mais dia menos dia, toda essa mordomia de dormir, acordar, caminhar, foder, comer, chapar, criar, respirar… mais dia menos dia, e cada vez mais menos são os dias, essa mordomia, pop, pop, pop, pop, ela vai terminar.
ânsia.
pop!
deixe estar.
e, de repente, subrepticiamente, pop.
mais dia menos dia, tic tac, a morte, essa alegoria, tarda mais não falha em nos igualar: vão, chão, clarabóia, janela, porta, batente, escada, calçada, estrada, passagem para o além, para o inexorável fato de que o amanhã, pop. pop, pop, pop, pop, pop, pop, pop, pop, pop, um dia vem, e vai, pois o amanhã não é de ninguém.
só que ainda não deu meia noite. é, portanto, tecnicamente hoje. abra uma champanha barata. vamos, pop! comemorar.
tin tin.
é mesmo. para quê a pressa – pensou nosso herói – e voltou a deitar.
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*Biu é paraibano, farmacêutico e faz quadrinhos.
A PEREGRINAÇÃO DE COPACABANA
Aparentemente um ritual de mudança, a virada do ano é quando as pessoas sentem-se obrigadas a realizar ou participar de alguma coisa, qualquer coisa maior do que elas mesmas, e todas juntas, torcendo para que nada mude e tudo continue na mesma, embriagar-se e chorarem juntas, perder a linha, pular ondinhas, mijar na rua, fingir que tudo isso é alegria e tirar pelo menos uma foto do grande do momento decisivo em que a engrenagem completa mais uma volta.
O que resta é o lixo e o cheiro de pólvora no ar.
O fascínio de grandiosidade que os fogos de artifício provocam em eventos públicos, ainda mais deste tipo, mundiais e amplamente divulgados, por toda a parte, como uma alegoria ou metáfora de “explodiríamos o planeta, se quiséssemos” ou ainda “if i had a reason, i could blow you all away”- ao som do mashup da música clássica do século XX, do novo hit do verão, do brasileirinho ou aquarela do brasil, com imagens publicitárias coloridas nos telões de plasma do palco ecologicamente correto e das coberturas milionárias com vista para o atlântico
e eu, assistindo a tudo isso pela televisão, como um alienígena deslocado e solitário
acho que desenvolvi uma fobia a fogos de artifício, bombinhas e rojões de qualquer espécie.
tornei-me praticamente um cachorro acuado debaixo da cama numa noite de tempestade e trovoadas
o ribombar constante madrugada adentro
estamos em guerra
em plena guerra contra o tempo
corta para o latino ou qualquer cantorzinho de quinta categoria e patético no palco principal
em mais um espetáculo sustentável apoiado pela prefeitura
e transmitido ao vivo e em cores
enquanto os apresentadores brindam a champanha nos camarins
o maior espetáculo da terra
a ópera-funk patrocinada pelo jornal
que venham os próximos reveillons
a última punheta do ano
a primeira cerveja do ano
uma nova queima de fogos
à queima roupa
http://indecidable.blogspot.com/2012/01/gli-intonarumori.html
mais sintonia e menos estática, em 2012. é nóis, brother.