Quando as coisas não funcionam

por Mauro Castro*

Fui atender a uma solicitação de táxi em um motel. Parei em frente ao apartamento indicado, liguei o taxímetro e esperei. Primeiro desceu um senhor bem vestido, cerca de 50 anos. Ele embarcou na frente e, antes que fechasse a porta, pedi que apagasse o cigarro. O homem virou uma arara. Ficou do lado de fora do táxi fumando e protestando contra os chatos antitabagistas. Liguei o rádio para não ouvir os resmungos.

Em seguida, veio uma mulher, também elegante, ajeitando o cabelo e falando ao celular. Os dois embarcaram e, antes que eu arrancasse, o homem protestou quanto ao valor que constava no taxímetro. Expliquei que a corrida começava no momento que eu chegava ao endereço solicitado. A demora em embarcar no táxi fica por conta do cliente. Novo discurso do homem. Blá, blá, blá…

Logo que saímos do motel, novo problema. Para evitar fechar um cruzamento, parei o táxi no sinal verde, esperando que os carros da frente andassem. O homem pediu que eu avançasse o sinal, que trancasse tudo se fosse preciso, pois estava com pressa. Sua deselegância estava passando dos limites e minha paciência acabando. Aquilo não ia terminar bem.

No banco de trás, a mulher, com um pequeno espelho, parecia concentrada em retocar a maquiagem. A cada nova grosseria do homem, ela limitava-se a olhar para ele, revirar os olhos, suspirar e voltava ao que estava fazendo. Enquanto isso, o clima no táxi piorava.

Lá pelas tantas, o homem enfiou o dedo no rádio e desligou a música, reclamando do barulho. Eu já estava pronto para mandá-lo longe quando a mulher, enfim, abriu a boca:

– Meu bem, o mundo não tem culpa de as coisas hoje não terem funcionado como deveriam.

Juro que ela disse isso. Bem assim, como todas as letras transbordando malícia. Uma frase avassaladora, que soterrou o homem no banco do táxi, a ponto de não se ouvir dele nem mais um pio.

Deixei-os em um shopping. Por certo, vão procurar entre as prateleiras o prazer que não encontraram no motel. Isto se o cartão de crédito do homem funcionar, é claro.

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* Mauro Castro é taxista em Porto Alegre e é conhecido na internet por seu blog Taxitramas, em que publica crônicas sobre o cotidiano do seu ofício. Entrevistamos ele por aqui há alguns anos.