YOU P.

por Bruno Azevêdo*

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– Sai tanto.

Tanto é uma quantia específica que o tempo acaba por desvalorizar. Neste caso era aquilo que, feito 10 ou 6 ou 7 vezes por mês, dependendo das especificações, pagava todas as contas.

Era assim que pensavam os donos da YOU P., produtora de filmes adultos para casais com grana suficiente pra não precisar apertar o play. O esquema era bem simples, e começou por acaso:

Mona e Ildomar faziam festas infantis, formaturas e outras películas de baixo orçamento e pouca audiência. Um de câmera, outro de iluminador, às vezes de smoking, às vezes de palhaços. Abriram caminho pela elite da cidade via coluna social. Recebiam algo menos que um taxista, mas lhes deixavam assinar as produções, com e-mail e o slogan: filmamos você!

O que curtiam mesmo era filmar a si próprios, editando as fitas dos rebentos dos deputados federais com cenas onde fodiam coreograficamente em um banheiro ou quarto que se adequasse ao estilo da locação da festa contratada. Mixavam o som com o dos parabéns, valsa ou seresta, vestiam-se de acordo (ela de empregada, ele de garçom, ela de babá, ele de mágico) e BINGO!

ANALVERSÁRIO IV

HISTÓRIAS DOS DR. DP.

5 ANOS E UM CU

Entregavam as fitinhas originais e guardavam sua versão particular estilo Nuno Leal Maia. Fodiam loucamente se vendo foder e os trabalhos começaram a seguir a lógica da cinematografia Boca do Lixo que eles praticavam. Um contrato tinha tanto valor quanto o que propiciasse sua locação… daí que eles ficaram sem saber o que dizer quando receberam o chamado de jogar seus holofotes num local que fazia brochar a pica dura da transgressão: um motel.

Suíte colonial. A senha era “amor é com amor que a gente paga”, e com um sorrisinho a mulher do outro lado do interfone deixou entrar. Tem gente que faz festa em qualquer lugar e eles já tinham ouvido falar muito em festas de despedida de solteiro e outros ritos de passagem em motéis, mas era a primeira vez que eram convidados. Vestiram-se com a camiseta da produtora e tocaram a campainha já com o equipamento em punho, que era como criavam o tal “efeito Amauri Júnior” de falso estranhamento e surpresa de quem quer que lhes fosse receber.

– Chegou a galera da filmagem! — Gritou na porta um homem vestido de Change Dragon, com o capacete apoiado embaixo do braço e a mão por cima do colan erroneamente abaixo, esfregando o pau. O dourado dos braceletes refletia a luz que Mona jogava e a forçava a desviar o rosto.

– Entra aí, galera, entra aí.

Entraram, dando a geral que se deve dar no salão de uma festa. Isso garante ao tio distante a correta disposição hierárquica na família, ao longo do filme. Aprenderam que essa era a forma de fazer e faziam assim. Também servia para que, na sua versão, o público pudesse retraçar o caminho dos priminhos afoitos ou da fogosa babá e seu patrão rumo ao ninho do coito superexplícito.

Mas ali não tinha pronde ir e o que viram foram outros dois caras vestidos respectivamente de Chance Grifon e Pegasus, além de duas mulheres de Fênix e Mermaid. Dois fulanos ficavam no fundo, só de cueca, assistindo ao filme pornô que passava na TV. Pelos gemidos, Mona reconheceu Ane Midori em ação com Kid Bengala, mas preferiu não comentar. Gostava de como Bengala ignorava a direção e metia tudo, sem a inclinação que se deixa numa penetração para que o público possa vê-la. Discutiam muito isso em casa (o Efeito Bengala) e ela era da opinião que o ator, em sua genialidade, confiava no fato de que bastava ao público saber que seus 33 cms estavam dentro de quem quer que fosse. Kid bengala fazia uma espécie de pornô noir.

Dragon, já de máscara, falou.

– Volta a fita aí, cumpade. Volta a fita e apaga que o lance aqui é só do Esquadrão Relâmpago! Apaga esse começo aí com a minha cara!

Ildomar voltou. Apagou. Olhou pra mulher.

– O negócio aqui é o seguinte. A produção hoje aqui pra vocês é diferente. Eu e meus dois cumpade ali vamo fazer um amor dizendo aquelas duas gostosa — elas dão oi — e vocês vão filmar… mas filmar com técnica, tipo Buttman. Já viu Buttman?

Ildomar gagueja. Antes que consiga sacar uma resposta, Mona responde – já!

– Beleza! A gente quer filmar mesmo é metendo. Filme de foda! Filme de foda! Depois deixa a fita bruta com a gente e não se fala nesse assunto, tá valendo?

– Olha, o nosso equipamento não é preparado pra esse tipo de filmagem… – disse Ildomar.

– É sim! A gente quer é assim mesmo. Pago o dobro do combinado, e se a tua senhora não quiser participar a gente pede prum dos outros dois ali dar uma força – olhou pra trás – né, cumpade? — um dos caras tirou a mão do membro e mostrou um sinal de legal com a mesma mão, devolvendo a mão em seguida.

– Quem são aqueles dois ali? Eles vão participar? – interviu Mona, ignorando a sugestão – qual deles é o Gioday?

– Só se um de nós três falhar. Vocês cortam, eles trocam e vocês filmam as cenas de foda mais de perto, que só mostre mesmo a facada. Tipo dublê, só que de pau.

– … dublê de pau.

– Não vai ter Gioday, nem Gozma, o lance aqui é só alegria. Topam? Pago o dobro. Trabalho fácil e sem menino pra encher o saco, sem ter que editar. Filmou, vazou, morreu.

A voz dele saía num abafado de AM e Ildomar ficou pensando se já o tinha visto em outra produção sua. Concluiu que sim, mas antes de dizer qualquer coisa, foi Mona que se adiantou e respondeu:

– Vocês dão conta do recado aí, menina?

Elas acenaram que davam e Mona pensou se estavam pagas para estar ali ou se eram pessoas que curtiam se ver, como ela.

– Então podem mandar braza que a gente vai ficar invisível!

Um dos dublês de pau mudou a programação para um DVD dos Changemam, com gravação direta de uma transmissão da Manchete, que dava saltos nos intervalos originais. Pegasus explicou o conceito do filme e como as cenas seriam feitas. Disse que os dublês de pau também seriam contra-regras e lhes entregariam coisas ao longo da filmagem.

O quarto ficou vazio, exceto por Mona e Ildomar, que mal se olhavam. Ouviram um “vamos Change!” e a porta se abriu como a de um sallon steampunk, enquanto pulavam pra dentro, um atrás do outro os Changeram em suas roupas toscas, cada um fazendo a sua coreografia e gritando “ataque” após se anunciar. Mona suspeitou que a Change Mermaid bem poderia ser um traveco. Formaram o W de braços do final da coreografia e as duas mãos de Dragon, abertas para frente, foram pra trás encontrando cada uma um seio de Fênix e Mermaid, enquanto Grifon e Pegasus se levantavam cada um para um lado e davam uma poderosa encoxada nas colegas.

Ildomar enquadrava todos e se esforçava para valorizar a coreografia. As duas se abaixaram vagarosamente, enquanto Dragon virava pra frente dos demais, que abriam os zíperes das cuecas dos Change Azul e Preto, justificando o erro na fantasia e lambendo as cabeças das picas com o mesmo movimento de língua, 180 graus pra esquerda, através de uma espécie de viseira que subia pelo capacete de motociclista pintado com spray.

Ficaram ali por alguns minutos e Ildomar se agachou para pegar um close melhor. Se tivessem alguém como eles seus próprios filmes seriam melhores, menos Paris Hilton. Às vezes tinham que parar a foda pra mudar o ângulo da câmera ou gravavam simultaneamente com as 4 câmeras da produtora para editar depois.

Os gemidos do Change Preto lhe fizeram pensar que já tinha ouvido aquele timbre em algum lugar. Algo como as notícias da TV, mas descartou a ideia. Mudaram as duas para a Power Bazuca de Pegasus e os outros dois pularam para trás das Changezetes, abrindo-lhe os zíperes que começava logo acima do cóccix e faziam uma elipse até de encontrar novamente no umbigo, onde se destacava a peça que encobria as bocetas, raspadas com o símbolo de sua referida Change-persona.

E foi lá que Mona jogou a luz, interessadíssima na técnica do Change azul, que estocava Fênix com a força e precisão de uma britadeira. Talvez ele fosse profissional. Sabia valorizar cada movimento, e entendia que a simetria entre o pistão fumegante e o balanço do saco era essencial para a apreciação, em vídeo, de uma boa trepada. Também sacava que, pra filmar, tem que se foder em diagonal, como se o expectador tivesse com a cara enfiada entre o flanco do comedor e a bunda do comido.

Dragon fez movimentos bruscos com os braços e todos pularam para a cama numa foda que já desafiava a coreografia e a habilidade do casal que tentava acompanhar. Foderam de todas as formas possíveis com as roupas enquanto os dublês preparavam algo do outro lado. A organização pareceu voltar quando Dragon anunciou a necessidade urgente de Change Robô. Pegasus e Grifon deitaram em posição de semi-abdominal, Mermaid e Fênix acororaram-se sobre eles num Change-anal duplo e Dragon ficou em pé diante delas brandindo a espada que lhe fora jogada por um dos dublês de pau, que ao mesmo tempo acionavam uma máquina de fumaça.

Dragon então pediu que fizessem cenas individuais, onde cada Change macho comeria uma Change fêmea e por aí vai. Dragon seria o segundo homem nas duas DPs do filme. Mona estava assombrada com o talento dos cinco, dignos de um AVN. Ou eles fazia isso com muita frequência, ou era todos, até Grifon, o menos dotado, profissionais. Depois entraram com a Power bazuca, na qual cada gozada de cada Change tinha como pano de fundo uma explosão acionada pelos dois dublês de pau.

O filme terminava com o esquadrão relâmpago em formação, com uma nova explosão, maior, fumegando a parede da suíte Colonial.

As duas mulheres saiam do banheiro com as pernas pingando, enquanto Dragon acertava com Ildeman o equivalente a uns 5 tantos. Ildemar deu um cartão e a fita. Já saiam do quarto quando Mona puxou Dragon e perguntou:

– Será que a gente pode assinar?

– Como assim?

– Bota um email da empresa, sabe, é de praxe, e depois o nosso slogan. Assim vocês podem dizer que foi mesmo um pessoal profissa.

Ela pegou o cartão novamente, escrevendo após o email a frase “YOU P., a gente filma você”. Ildomar ficou bolado quando Mona beijou o capacete de Dragon enquanto entregava o cartão pelo zíper ainda aberto na fantasia dele, e falou pro marido, puxando-o pelo braço:

– Vamo nessa, Batman!

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* Bruno Azevêdo é maranhense e escritor. Autor do livro Breganejo blues e do romance fast food O Monstro Souza, além de colaborar em publicações em todo o país.