A sociologia na Gotham City de Christopher Nolan

por Laluña Machado*

Nos primórdios da minha pesquisa de TCC, momento em que eu realmente me aprofundei no universo do Homem Morcego, eu comecei a me questionar sobre certos aspectos da formação do Batman e de todo o contexto no qual Gotham se apresenta (sempre). Com leituras teóricas, observando melhor os quadrinhos, levando outros filtros de interpretação para os filmes, analisando melhor as mudanças de discurso de acordo ao contexto de produção e a mídia na qual ele estava inserido, eu comecei a me perguntar: Gotham que precisa do Batman ou Bruce Wayne que precisa do Batman?

Levando em consideração toda a mitologia e o universo ficcional que compõem o Cruzado Encapuzado, é meio difícil responder isso de forma concreta. Sobretudo, porque é um personagem que fará 80 anos em 2019, que foi adaptado por vários meios de comunicação e isso influência (e muito) no que ele representa naquele momento. Porém, quando separamos certas produções ou arcos narrativos podemos chegar a conclusões inquietantes. Foi o que eu senti quando vi a trilogia de filmes do Nolan pela 234233543 vez, mas agora eu tinha outros filtros de interpretação.

No primeiro filme, Batman Begins (2005), que é uma produção que tem muitas influências do Batman: Ano Um de Frank Miller, o diretor procurou mostrar todo um prólogo da construção de Bruce Wayne/Batman (Christian Bale). Apresentando valores morais, medos, raivas, confusões, sobretudo, a motivação do bilionário em se vestir de preto à noite para pendurar pessoas em prédios, que segundo ele, será para se tornar um símbolo incorruptível. Todavia, parece que o pequeno Bruce passou anos se isentando totalmente da construção social de Gotham, não leva adiante trabalhos comunitários e até de infraestrutura que seu pai Thomas Wayne (Linus Roache) havia aplicado na ilha, como a linha de trem que foi construída por Thomas que ainda ressalta: Gotham sempre foi boa para nós.

Bruce Wayne cresce, some, rouba a própria corporação, é preso, treina, deixa a maior empresa da cidade nas mãos de acionistas com foco em contratos com o governo, e agora, já não se fala mais no legado social do Dr. Thomas Wayne, só há culpa e raiva. Bruce retorna, mas prefere usar a empresa para compor o seu lado em forma de morcego em vez de ser um verdadeiro Wayne e, claro, um gestor.

Em O Cavaleiro das Trevas (2008) as consequências sociais provocadas pela obsessão de Bruce em se vestir de preto à noite se agravam. As Indústrias Wayne é realmente a maior empresa de Gotham, “um império” que não é visto por seu único herdeiro de forma mais atenciosa, com isso, as pessoas que tomam a frente de uma administração que monopoliza praticamente tudo na ilha, consequentemente leva ao sufocamento da livre concorrência e os micros empresários não conseguem se manter, ainda mais considerando uma alta carga tributária que para as Indústrias Wayne não é nada. Além do mais, a corporação também monopoliza mão de obra especializada, ou seja, aquele cidadão que não tem ensino superior ou um técnico e muito menos condições de pagar um, ficará desempregado tanto por não se encaixar no quadro de funcionários Wayne quanto daquele pequeno empreendedor que já não existe mais.

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Em pouco tempo a taxa de desemprego aumenta, algumas pessoas conseguem ir embora da cidade, mas outras não tem a mesma sorte e sem opções se integram a criminalidade e a Máfia que é chefiada por Moroni (Eric Roberts). A Máfia nesse momento precisa se manter hegemônica e para tanto, precisa manter as pessoas “certas” dentro dos poderes legislativo, judiciário e executivo. Pessoas que estão ao lado do agora Comissário Gordon (Gary Oldman) e do Promotor Harvey Dent (Aaron Eckhart) que viria a ser vítima desse sistema de corrupção e se tornaria o Duas Caras. O caos se instala ainda mais em Gotham quando o Coringa (Heath Ledger) ganha poder e notoriedade afirmando que o próprio Batman trouxe a loucura para os gothamitas.

A película chega ao fim dando a entender que o Coringa foi preso no Asilo Arkham, um manicômio que não recupera ninguém e que era liderado pelo Espantalho (Cilliam Murphy), com o Duas Caras servindo como uma espécie de mártir e uma representação de justiça que Gotham nunca teve e o Batman sendo caçado pela GCPD.

Na sequencia com o filme O Cavaleiro das Trevas Ressurge (2012) esse debate se confirma. Após a morte de Harvey e a implementação de uma lei mais rigorosa que não permite condicional para criminosos que se encaixarem nela, tal lei é baseada num imolado que nunca existiu e que aumentou a população carcerária em Blackgate sem dado algum de ressocialização dessas pessoas. Além disso, o Batman se aposenta por 8 anos e Bruce permanece numa reclusão mais um vez, só que agora em uma das alas da mansão Wayne.

A taxa de criminalidade diminui segundo o policial Blake (Joseph Gordon-Levitt), mas as políticas sociais não mudam, principalmente quando se ouve o relato de uma criança do orfanato dizendo que quando ficar maior terá que sair e procurar trabalho, contudo, o único trabalho que há em Gotham nesse momento é nos esgotos. Bane (Tom Hardy) recruta os jovens para posteriormente roubar armamento das Indústrias Wayne, armamento esse, que era utilizado pelo Batman. Até então, a cidade já não precisava do Batman, mas precisa do Bruce. Um Bruce que deveria se preocupar se a Fundação Wayne ainda estava passando as doações para esse orfanato, mas segundo Blake, há tempos que isso não acontecia. E mais uma vez tudo na ilha foge ao controle das autoridades e Bruce “precisa” vestir o uniforme novamente para combater o que poderia ter sido evitado por ele mesmo (mas também não deixo de pensar que se ele resolvesse tudo como Bruce eu não teria material de pesquisa)

Com isso tudo que foi apresentado, eu pergunto novamente: É Gotham que precisa do Batman ou Bruce Wayne que precisa do Batman?

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*Laluña Machado é graduada em História pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB, foi uma das fundadoras do Grupo de Estudos e Pesquisas “HQuê?” – UESB no qual também foi coordenadora entre os anos de 2014 e 2018. Do mesmo modo, exerceu a função de colaboradora no Lehc (Laboratório de Estudos em História Cultural – UESB) e Labtece (Laboratório Transdisciplinar de Estudos em Complexidade – UESB). Atualmente é membro do Observatório de Histórias em Quadrinhos da ECA/USP, colaboradora na Gibiteca de Santos e do site Minas Nerds.Sua pesquisa acadêmica tem como foco a primeira produção do Batman para o cinema na cinessérie de 1943, considerando as representações da Segunda Guerra Mundial no discurso e na caracterização simbólica do Homem Morcego. Paralelamente, também pesquisa tudo que possa determinar a formação do personagem em diversas mídias, assim como, sua história e a importância do mesmo para os adventos da cultura nerd. Contato: lalunagusmao@hotmail.com