Luda Lima e Mariana Carpanezzi contam Histórias de cavalas

por Roberta AR

São duas cavalas, uma azul e outra preta. Astrid e Treva. São duas artistas talentosas que se juntaram para fazer esse zine-livro-ilustrado que é um, mas são dois ao mesmo tempo. Um livro branco e outro preto, abraçados por uma capa preta em mais uma publicação conjunta de Luda Lima e Mariana Carpanezzi. Essas são as Histórias de Cavalas, dois poemas ilustrados, podemos descrever assim.

Treva, escrito e ilustrado pela talentosa Luda Lima com suas lindas aquarelas em papel branco, é a história de uma cavala que vem do infinito para tocar no coração apertado de uma humana que tinha muito guardado no peito. Leve, que deixa com uma sensação gostosa quando termina.

Para Astrid, com amor foi escrito e ilustrado em guache no papel preto por Mariana Carpanezzi. É a história de uma mulher que encontra uma cavala amarrada e que também se sente amarrada, dessas coisas que fazem a gente se sentir conectada, sentimentos familiares tratados com muita delicadeza.

Essa é daquelas publicações especiais para quem gosta de formatos diferentes, de zines mais trabalhados. Fiz uma entrevista com autoras, que falaram um pouco mais sobre essa publicação, sobre o trabalho que desenvolvem juntas com o Selo Supernova e sobre seus projetos em andamento.

Neste link tem um vídeo com a Luda mostrando o zine: https://www.instagram.com/p/BSwBArpAVO1/

Quem são as cavalas?

Luda: Escolhemos as cavalas por conta da força que o simbolismo deste animal tem.
E Cavalas, ao invés de égua, para reforçar essa intensidade, e ter a ideia selvagem do feminino deste bicho!
A Mari havia acabado de voltar de uma viagem com a experiência cuidando de cavalas. E a gente, na onda de descobrir sobre o que falaríamos no nosso próximo zine – justamente para lançar na Feira Plana – BUM! – tinha esse frescor equino para aproveitar! ❤

Mari: Mais que tudo, acho que as cavalas são o que a gente quiser. Mas pra mim elas existiram em 3-D, elas têm uma referência na realidade.
Em janeiro deste ano, passei um mês no interior da Andaluzia, numa cidade perto de Granada onde vivi entre 2014 e 2015. Quinze minutos depois de chegar, enquanto tomava um café, uma mulher holandesa me abordou, pedindo ajuda para que eu alimentasse suas três éguas. Astra, Nona e Sally ficavam amarradas num terreno emprestado a vinte minutos da cidade. A moça holandesa tinha torcido a perna e gostava muito daqueles bichos, por isso pediu a uma desconhecida desocupada – eu – que a ajudasse, já que estava de muletas e não conseguia caminhar com as tinas de água e o feno.
Achei o pedido tão estranho que resolvi tratar as cavalas no dia seguinte. Nunca tinha tido experiência com esse tipo de animal, e tratá-las me dava um pouco de medo, porque elas eram enormes e eu pensava que podiam me dar um coice ou algo assim.
Esse medo me intrigava, então voltei nas semanas seguintes. Um dia chegamos no terreno e vimos que a Astra, a mais brava delas, tinha se soltado durante a noite e comido tudo que tinha encontrado pela frente, incluindo um pé de laranjeira inteiro. O dono da terra e da árvore ficou puto. E eu me apaixonei por ela.
A Astra não aceitava ficar presa. Ela era uma cavala eternamente selvagem. Percebi que, diferente dela, eu não ousava comer as árvores que eu queria nos terrenos proibidos; que eu me controlava, que eu obedecia, que eu era uma menina demasiado boa.
Então escrevi o livro pra ela. Foi um encontro lindo que não precisou de palavras; na maior parte das vezes as palavras são supérfluas. Por isso fiz o livro com mais desenhos do que palavras. Sinto muita saudade do nosso tempo juntas; de vez em quando peço pra moça holandesa enviar fotos e me contar como ela está.

Zine “Porque tudo começa do mesmo lugar”, do Selo Supernova

Essa não é a primeira experiência editorial de vocês juntas. Como começou essa parceria? Como surgiu o Selo Supernova?

Mari: Eu a Luda nos conhecemos há pouco mais de um ano, durante uma oficina de aquarela. Foi tudo muito natural… A gente ficou amiga, os interesses eram os mesmos. A gente gostava de livros ilustrados e tinha vontade de explorar coisas juntas. Uma ajudava a outra, também: eu escrevia histórias; a Luda desenhava. A gente ia descobrindo coisas, mostrando trabalho uma pra outra, tomando café com leite, ouvindo música. Ela me ensina a desenhar mãos e olha meus desenhos até hoje; tem coisas que só tenho coragem de mostrar pra ela.
A gente também dividia um pouco a fúria de saber que era mulher e as perguntas sobre o lugar do nosso corpo no mundo da criação. Aí veio a vontade de abraçar isso de um jeito que desse prazer e que convidasse pra um encontro, então criamos nosso livro “Porque tudo começa do mesmo lugar” – que a gente chama carinhosamente de “xoxota cósmica”, por razões óbvias.
Pra lançar, decidimos criar um selo, que chamamos de Supernova, como as estrelas que explodem a luz mais intensa do universo um pouco antes de desaparecer. Isso aconteceu em novembro de 2016. “História de Cavalas” foi lançado logo em seguida na Feira Plana, quatro meses depois.

Luda: Acho que já começou com a nossa amizade. Essa amizade já começou com a  admiração minha pela escrita da Mari ao ler o livro dela “Mundo Sem Anéis” e da admiração da Mari pelas minhas aquarelas. Daí já sentíamos a reciprocidade e ser possível nascer um filho-gibizin! Daí ficavamos conversando e pirando nos conceitos sobre Xoxota, empoderamento e tudo – e na expressão Sussa na Bussa – que nasceu o Porque Tudo Começa do Mesmo Lugar…! Aka Xoxota Cósmica.
Ao definirmos que a Xoxis ia nascer, a Mari sugeriu da gente fazer um selo para resumir os nossos nomes e representar tudo o que fôssemos publicar. Nessa linha poética, experimental, até transcendente.

As cavalas

A Luda começou seus trabalhos impressos com a ilustração e partiu para a escrita em publicações. A Mariana da escrita para ilustração. É isso? Como é transitar nessas expressões tão diferentes?

Luda: Para mim é experimentar entre o subjetivo e o objetivo.
A subjetividade da linguagem visual com a objetividade da linguagem escrita.
Ver até quando cada linguagem enriquece a outra.
Eu já estou acostumada com as imagens e era hora de desenvolver as palavras.
Acho genial como uma frase pode direcionar e mudar tudo de uma imagem e vice-versa. Assim que o Cavalas vai galopando, entre obras que tem as palavras de mãos dadas.

Mari: É isso. Parti da escrita publicando “O mundo sem anéis”, um livrão de 160 páginas sobre uma viagem de bicicleta que fiz sozinha por três meses.
Aí comecei a responder como “escritora”, o que me gerou grandes dúvidas. Tenho uma dificuldade terrível de me classificar. Quando digo que sou escritora, me sinto imediatamente muito bocó no meio autores super sérios. Quando chego perto de dizer que sou ilustradora ou artista, noto que antes tenho que aprender a desenhar mãos pra usar a designação. Meus desenhos nunca têm mão porque não sei criar dedinhos.
Acho que gosto de inventar coisas. A escrita está comigo há muito tempo, é uma velha conhecida. É um mundo que eu exploro abissalmente, lá nas catacumbas, porque ele se confunde com a minha existência, que foi sempre perto de livros e diários.
O desenho é uma descoberta mais inocente, é uma permissão de errar que nem criança, porque tenho a impressão que meus desenhos são completamente infantis e já desisti de desenhar bem. Todo sábado, religiosamente, faço desenho de observação de modelo, e juro que não evoluí nem um pouco. Forças terríveis responsáveis pela inevitável falta de proporção me dominam.
E daí tem isso, de juntar os dois e tudo virar uma coisa só. Das palavras gerarem desenhos e vice-versa. De um abrir a porta pro outro; de um sugerir e o outro negar, ou de um negar e o outro também; ou de tudo se permitir numa narrativa que afirma. Acho que as possibilidades são infinitas, e gosto de sentar na mesa e ela se tornar uma sem eu saber como me deixa feliz como nada me deixa. É bobo e absolutamente lindo.

Quais são os novos projetos que estão a caminho?

Luda: Juntas, por enquanto queremos levar nossos títulos a mais feiras.
O Supernova deve ir para muros na cidade também!
Eu quero fazer mais obras que falam por si só.

Mari: Estou terminando uma história experimental chamada “A solidão dos objetos que se olham”, que deve ser lançada em novembro numa tiragem muito pequena, encadernada a mão. É um livro artista em forma de quadrinho, ou de uma tentativa de quadrinho, sobre a constatação que os astrofísicos fizeram, na década de 90, de que o universo está se expandindo mais rápido do que era imaginado até então.

Contatos das autoras (para adquirir as Histórias das Cavalas e conhecer mais das duas):

Selo Supernova: https://www.facebook.com/selosupernova

Luda Lima: https://www.facebook.com/Ludailustra

Mariana Carpanezzi: http://www.surinamariana.com e surinamariana@gmail.com