Maurília ainda tinha tempo de tomar café,

por Bruno Azevêdo*

na varanda, como se fosse a dona da casa. Queijo, frutas, de tudo isso gostava.

Levou as louças à pia. Lavou. Secou, guardou no armário. Tinha aquela roupinha que só se diria existir em novelas, em cidades que na cabeça dela eram sempre frias e onde a gente é bonita e rica. Preferia o rádio, menos pela programação que pela possibilidade de se ocupar de outra coisa.

Como passar. O que fazia ainda agora, apesar de tudo. Impressionava que as coisas acontecessem ao mesmo tempo. Até oito era esporte, depois notícias, depois às vezes música. Se você gostar de uma dessas coisas tem que se contentar com só uma fatia do mundo.

Com o tempo ela aprendeu que não adianta passar pasta de dente, melhor usar só água e esperar.

Aproveitou pra lavar os banheiros, três ao todo. O seu lavava à noite, enquanto banhava. Tinha uma ordem nos xampus e cremes que ela fazia no tato, alguns com a tampa pra baixo, outros com a tampa pra cima.

Saiu do banheiro, não dá pra usar as mesmas vassouras, que molham. Antes de varrer a casa, que consome toda a manhã, precisa trocar de ferramentas.

Por imposição, varre a casa do fim pro começo, terminando com a porta da sala, como se expulsasse o pó. O problema estava em varrer contra o vento. Quando chegava na mesa de jantar os quartos já estavam tomados pelo mesmo pó, reconfigurado.

E tinha rinite.

Mas mesmo hoje não mudou. Vasculhador, vassoura, pano molhado, com paradas regulares para checar se o frango, que tirara do congelador bem cedo, já tinha descongelado.

Cortou, temperou e deixou na bacia pro tempero pegar melhor. Catou arroz e foi ao quintal, pois tinha folhas pra salada e vinagreira para o arroz. Ela mesma plantou tudo, das sementes e talos que a casa jogava fora.

Cozinhou batatas e já dançava o bolero do pano molhado quando a campainha tocou. Prendeu o cachorro, trocou ração e água.

– Tão no quarto.
– Amarrou direito?
– Do jeito que tu mandou.
– O cachorro tá preso.
– Tá. Entra.

E foi acender o forno, que demorava pra pegar. Fez suco e ouviu no rádio sobre gente famosa.

O cheiro do frango cresceu e se misturou com o de óleo de peroba na atmosfera da casa.

– Peguei tudo. Vumbora!
– No banheiro tem uma caixa de absorventes. Pega lá.
– Tô.

Com uma faca de cozinha, abriu um por um até achar um anel grande, com cara de velho. Botou no bolso, com a faca. Jogou os retalhos no lixo, que puxou pelas bordas e amarrou a boca. Saiu e largou na porta.

– Bota no lugar a caixa.
– Me empresta a faca.
– Usa os travesseiros.

Pôs a mesa, pra quatro, mesmo que um morasse fora e outro já tivesse morto.

– Vamo nessa!!
– Espera. Falta um pouco pro frango dourar.

Depositou a gordura da travessa em outra panela, jogou farinha amarela e mexeu.

Desligou o rádio.

Separou a coxa, que era dela, botou na bolsa com um papel alumínio.
– Pronto.

Na porta da rua, pediu que a esperasse atrás do jambeiro, tinha esquecido uma coisa.

Entrou. Viu os dois na cama. Atravessou o terreno até a casa do cachorro. Abriu a portinhola, o bicho pulou, correu em volta dela como sempre fazia deitou, rolou e ficou olhando o céu, de barriga pra cima, esperando a carícia.

Pluto levou 30 facadas.

.
Bruno Azevêdo é maranhense e escritor. Autor do livro Breganejo blues, mantém o blog O PUTAQUIPARIU!