vinte, de rombo.

por Biu*

Chove há dias, aos borbotões. A água pinga das tábuas podres de meu caixão em minha cara, no que sobrou dela. Eu estou encharcado até a alma, morreria afogado aqui dentro se a tuberculose já não o tivesse feito. E então a encosta desaba e eu ascendo, mas não aos céus, fechados de cumulus por todos os lados, de volta à terra, o único paraíso que há. A chuva escavucou o chão, revolveu seu útero hermético onde haviam nos socado à sete insuficientes palmos e agora há um desfile de esquifes pelas ladeiras da cidade, canoas de Creonte regurgitadas por Gaia.  O meu é de luxo, em mogno, com visor de vidro, umas firulas douradas nas bordas e acabamento interno de tecido branco, tsc tsc.

Não há paz eterna, irmãos, é o que nossos ossos desembrulhados parecem revelar, marujos de última viagem, descendo a ribanceira em direção à praça pública. Formaremos um estranho grupo mais as estátuas, travestis de chumbo, caricaturas do que é humano, mais mortas do que eu.

Dies Irae. O dia do julgamento. Até isso será notícia de ontem se houver amanhã.

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*Biu é paraibano, farmacêutico e faz quadrinhos.

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