por Artur Rimbaud*
Antigamente, se bem me lembro, minha vida era um festim no qual todos os corações exultavam, no qual corriam todos os vinhos.
Uma noite, sentei a Beleza em meus joelhos. – E achei-a amarga. – E injuriei-a.
Armei-me contra a justiça.
Fugi. Ó feiticeiras, ó miséria, ó ódio, a vós é que foi confiado o meu tesouro!
Tudo fiz para que se desvanecesse em meu espírito a esperança humana. Como um animal feroz, investi cegamente contra a alegria para estrangulá-la
Conjurei os verdugos para morder, na minha agonia, a culatra de seus fuzis. Conjurei as pragas, para afogar-me na areia, no sangue. Fiz da desgraça a minha divindade. Refocilei na lama. Enxuguei-me ao ar do crime. E preguei boas peças à loucura.
E a primavera trouxe-me o horrível gargalhar do idiota. Ora, por último, chegando a ponto de quase fazer o trejeito final, sonhei encontrar a chave do festim antigo, no qual talvez recobraria o apetite.
A caridade é essa chave. – Esta inspiração prova que tenho sonhado!
“Sempre serás hiena, etc…” exclama o demônio que me coroou de tão amáveis papoulas. “Vence a morte com todos os teus apetites, com todo o teu egoísmo e todos os pecados capitais”
Ah! estou farto de tudo isso: – Mas, querido Satã, eu te conjuro a que não me fites com pupila tão irritada! e à espera das pequenas covardias atrasadas, para vós outros que admirais no escritor a ausência das faculdades descritivas ou pedagógicas, para vós arranco algumas hediondas páginas do meu caderno de condenado.
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* Jean-Nicolas Arthur Rimbaud (1854 – 1891) foi um poeta francês. Produziu suas obras mais famosas quando ainda era adolescente sendo descrito por Paul James, à época, como “um jovem Shakespeare”. Como parte do movimento decadente, Rimbaud influenciou a literatura, a música e a arte modernas. Era conhecido por sua fama de libertino e por uma alma inquieta, viajando de forma intensiva por três continentes antes de morrer de câncer aos 37 anos de idade.