o correto talvez fosse
chamar isso aqui
de trabalho
não consigo
isso
é osso
se eu dissesse
“é mais um trabalho
como outro
qualquer”
seria covardia
ou coragem?
valentia
ou medo da última morte?
“qualquer outro
por que não?”
assume o mesmo risco do pescador
joga o anzol
pesca o aranzel do azar
continua jogando o anzol
para mais
longe
descrevendo
um
arco
no rio
ou então faz como a dona de casa
que lava panelas sem fim
um trabalho como qualquer outro
onde há suor
sono
rigidez nas palavras
repetição e tédio
tipo apertar um botão
faxinar escadas
corredores
correr com a escova
os fedores
de um banheiro
sujar as mãos
molhar os pés
esfolar-se
depois de um avc conhece finalmente
o sono
inútil
dos doentes
não é trabalho isso que eu faço
que você faz
quando escrevemos
escrever é roer os ossos
depois que o trabalho está feito
.
* Adriano de Almeida é paulistano, pai, escritor, educador e pesquisador em Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa. Autor do livro Entulhos, que pode ser adquirido aqui.