Distopia pra quem? 100 anos de Asimov, robótica e questões raciais

por Juh Oliveira*

Após a leitura de algumas obras de distopia, de obras e influências de Asimov, principalmente quanto à robótica, e também da obra “O mal estar na civilização”, de Freud, tenho algumas considerações pessoais que podem nos levar a outras óticas sobre o que tememos sobre o futuro. Quero refletir com vocês sobre algumas questões.

Primeiramente, a ideia sobre futuro que sempre existiu e que ao chegarmos no ano 2020 imaginávamos ser realidade: carros voadores, roupas metalizadas, serviços robotizados para todas as ocasiões e, numa visão pessimista, o fim dos recursos naturais e desigualdade social alarmante. Como costumo dizer em aula, pensávamos que íamos ter tudo isso e o que temos é um retorno a elementos e ideologias da era medieval, infelizmente.

O que lemos nas distopias nos parece próximo da realidade e as questões sociais a cada dia nos aproximam dessas narrativas que quando eram só literatura nos amedrontavam. E, quando lemos sobre robótica e relações humanas nas obras de Asimov, que nos fazem repensar na relação humanidade-robôs e em suas 3 leis que norteiam esse vínculo (ou até mesmo uma quarta lei), notamos certa positividade quanto a este futuro – bem diferente das distopias. Humanidade e máquinas vivendo em harmonia, com questões morais mais definidas e poucas preocupações e tristezas.

Importante pontuar aqui: diante do genocídio da população negra, da matança das pessoas LGBTQIA+, do aumento do feminicídio e das denúncias de diversas violências sofridas por pessoas consideradas minorias (mesmo sendo maioria em número) nossa análise das utopias e distopias em 2020 vai seguir com esses recortes, para que a pessoa dentro do padrão compreenda que o que é um grande medo do que pode acontecer, já é realidade na nossa vida desde muito tempo. A vinda dos “novos tempos” não trouxe consigo melhoras para os nossos.

Ao analisar as obras de Asimov, que faria 100 anos em janeiro de 2020, tive um desconforto ao ler sobre a relação entre seres humanos e robôs pois me pareceu muito próximo à questão da escravidão. Antes que me venham com um “descansa militante”, só me fazendo compreender aqui: as leis sobre robótica de Asimov pautam a ação dos robôs quanto a seus donos e suas funções para com eles, e elas se assemelham muito aos patamares sociais que infelizmente ainda temos quando comparados às camadas ricas e dentro do padrão.

Os personagens das obras de Asimov estão na busca constante de felicidade e contam com o trabalho dos robôs para que as tarefas menos honrosas ou mais cansativas sejam realizadas por eles enquanto têm seu lazer e experiências boas na vida. Ao ler a obra de Freud, é possível atrelar essas narrativas à constante busca de satisfação dos prazeres dos seres humanos “do futuro”, bem como sua insatisfação com a civilização e os amortecedores de preocupações como escape às infelicidades.

“O trabalho dignifica o homem”. O mesmo ditado que o burguês diz para seu empregado não é colocado em prática por ele, que explora o trabalhador e aproveita da vida repleta de privilégios. E qual o pesadelo de futuro para ele? Não existir sua mão de obra barata. E sua expectativa quanto a esse tempo a vir? Que robôs tomem os postos de trabalho e produzam mais e em menor tempo, com custos bem mais baixos e lucros bem altos.

Entende onde quero chegar com esta análise? Vou racializar um pouco mais aqui, ok?

Algumas pessoas criticaram quando a série “Dear White People”, na 3ª temporada, criticou a série “The Handmaid´s Tale”, ironizou o feminismo branco e jogou luz na problemática que as pessoas negras são escanteadas na trama distópica, que tem uma heroína branca a salvar todas as mulheres da opressão masculina. Mulheres brancas em perigo num futuro distópico vivem o que as negras já sofrem há séculos. Vamos pensar um pouco: na obra “Kindred”, de Octavia Butler, a personagem negra se vê aterrorizada quando volta ao período escravocrata e seus horrores. Seu temor é não poder ter suas liberdades e na trama o companheiro branco não está ali só para ser par romântico e sim como um livramento de algumas situações, em que ele tem que se colocar como dono dela. Não preciso contar muito da história para vocês entenderem.

Nas utopias e distopias que cercam o 2020 de todas e todos nós, acompanhamos muitas coisas acontecendo que lá atrás Asimov e outros autores ilustres da ficção científica previram: os benefícios e avanços científicos, as consequências sociais e para a natureza vindos destes, os governos totalitários e também a era das máquinas, os setores privilegiados e os sem acesso. Tudo isso e muito mais presentes na busca pela felicidade e satisfação dos prazeres, na divisão entre trabalho de humanos e trabalho das máquinas, na sociedade branca e suas questões versus sociedade negra e suas aflições.

Mas seria possível uma narrativa diferente da que vemos e questionamos nessa visão de futuro utópica/distópica? Depois da análise de tantas referências de futuro, o 2020 de quem não faz parte do grupo de pessoas privilegiadas tem alguma opção de protagonismo positivo em suas histórias? Há um gênero literário chamado afrofuturismo que acredito ser um oásis no deserto. Com ele, é possível pensar que existiremos e resistiremos em meio a tudo isso com alegria e riqueza. Nos dá esperança e minimiza o medo destes tempos. Protagonizamos nossas vidas e escolhas, somos donos de tecnologia avançada e não precisamos reivindicar espaço para a nossa importante ancestralidade. O futuro é nosso e é agora!

 

Quebrada fortalece quebrada: Deixo aqui uns links importantes pra você ler e saber mais sobre AFROFUTURISMO

https://www.geledes.org.br/dossie-afrofuturismo-saiba-mais-sobre-o-movimento-cultural/

Lu Ain Zaila, uma autora afrofuturista talentosíssima: https://brasil2408.com.br/

Fabio Kabral, autor afrofuturista com obras incríveis: https://medium.com/@ka_bral/afrofuturismo-o-futuro-%C3%A9-negro-o-passado-e-o-presente-tamb%C3%A9m-8f0594d325d8

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*Juliana de Oliveira (@ilujauosue) é formada em História pela UNISA e em Ciências Sociais pela UNIMES, e cursos de extensão em Ciências Humanas pelo IICS e de Quadrinhos em Sala de Aula pela Fundação Demócrito Rocha. Atua como professora há 10 anos, trabalhando na rede municipal de São Paulo. É produtora de conteúdo de cultura pop, geek e nerd para sites do nicho e também apresenta o programa Live Pop Geeks na Rádio Geek às terças-feiras 20h.