Atemporalidade: O racismo e a discriminação étnica nos Estados Unidos

por Laluña Machado*

Desde o período escravista e a época colonial que perdurou até 1776, os EUA “enfrenta” a questão racial e discriminação étnica em seu território. Os traços de sua história (e de muitos outros países) mostram uma supremacia branca dotada de privilégios e direitos legais ou sancionados exclusivamente. Nativos americanos, asiático-americanos, afro-americanos, latinos, judeus, árabes, irlandeses, poloneses e italianos sofreram e sofrem exclusão étnica, xenofobia e preconceito religioso nas terras do Tio Sam.

Após sua independência – influenciada por ideias Iluministas – e a Guerra de Secessão, o sucesso dos estados do norte, que eram abolicionistas e industrializados mediantes aos estados do sul que eram escravistas e agrários, levaram a formação de classes sociais a partir da consolidação do sistema capitalista em todo o país. A classe trabalhadora engrenava o ciclo vicioso do sistema, uma classe assalariada que é levada ao consumo, principalmente para adquirir bens industrializados e alavancar as condições e permanência burguesa.

Porém, os negros continuavam marginalizados e foco de organizações favoráveis a insulação racial como a Ku Klux Klan (KKK), instituída em 1866 com base reacionária e extremista, que urrava por uma supremacia branca com um discurso antissemita, racial e antinortista. A KKK exercia práticas criminosas como linchamentos, torturas e assassinatos moldados por uma predição de purificação da sociedade estadunidense.

Praticamente um século após o “fim” da KKK, os negros dos EUA ainda eram proscritos pela sociedade, proibidos de frequentar lugares atribuídos a brancos como escolas, universidades e restaurantes, obrigados a se sentarem em lugares específicos nos transportes públicos e não poderiam utilizar os mesmos sanitários que os brancos.

A situação só sofreu algumas mudanças com a eclosão do Movimento pelos Direitos Civis liderado por Martin Luther King e Malcolm X, que tinha como objetivo a igualdade de direitos para a população negra. Após 10 anos do início do Movimento pela equivalência racial, a Lei dos Direitos Civis foi proclamada, eliminando fundamentalmente as leis discriminatórias. Os negros alcançaram direitos, mas continuaram sofrendo preconceito “velado” e estrutural como crimes de intolerância e violência policial, mesmo com a eleição de Barack Obama em 2009, tornando-se o primeiro e até agora único presidente negro dos EUA.

Com a saída de Obama e a eleição de Donald Trump em 2017, o discurso racista e completamente belicoso de face para as minorias acaba ganhando fôlego e locação para os gritos de ódio, neozanistas, neofacistas e xenofóbicos, levando a atos de cólera como o que ocorreu em Charlottesville, uma cidade de 50 mil habitantes situada no estado da Virgínia.

A Marcha de Charlottesville ocorreu em 12 de agosto de 2017 e foi composta por grupos que proclamavam uma hegemonia branca, com discursos inflamáveis que protestavam contra os imigrantes, judeus, homossexuais e negros. O movimento encabeçado por neonazistas e de simpatizantes da KKK, levou a morte da jovem Heather Heyer após ser atropelada por um membro da Marcha.

Esses discursos de ódio ganham mais notoriedade nas redes sociais e na Internet Profunda (DeepWeb), os quais produzem e reproduzem esse tipo de pensamento reacionário. Os mesmos se sentem “blindados” pela tela do computador ou celular, confundindo democracia e liberdade de fala com discurso de ódio, inclusive muitas declarações são propagadas pelo próprio presidente, legitimando a colocação de Umberto Eco: “a internet deu voz a todos, inclusive aos idiotas.” Tais proposições fazem parte de fenômeno neoconservador que não toma conta somente dos EUA, mas de outros países, sobretudo, países que se consideravam evoluídos em relação a esses questionamentos como a Alemanha.

Há poucos dias, o país mostrou mais uma vez sua negligência e completa selvageria com a população negra. George Floyd, de 46 anos, foi morto por um policial branco – Derek Chauvin – nas ruas de Minneapolis no estado de Minnesota. Floyd foi algemado e asfixiado por 8 minutos enquanto as pessoas filmavam o ato bárbaro que viralizou nas redes sociais. A partir daí, grandes manifestações começaram a surgir na cidade pedindo a prisão dos policiais envolvidos no crime, além de levantar debates (mais uma vez) sobre o racismo estadunidense, ainda mais neste momento em que o país, assim como o Brasil, é composto por uma base estatal neofascista.

Os episódios que levantaram um engajamento virtual com a hastag BlackLivesMatter (VidasNegrasImportam), se espalharam pelo país e muitos deles foram apoiados pela força militar e outros foram duramente combatidos, gerando uma onda de violência que teve como consequência direta a prisão de Derek Chauvin. Isso não é o suficiente e nunca será.

Além de constante violência policial (o que também acontece no Brasil) contra a população negra, os Estados Unidos também somam o maior número de mortes por Covid-19 no mundo, mais da metade delas são de pessoas negras. Ou seja, se não mata de forma extremista, mata por ausência de uma política social. O Tio Sam tem se mostrado ativo em relação a discursos neofascistas, sobretudo, após a crise econômica de 2008. Mas se engana quem acha que esse tipo de “comportamento” só se mostra posterior a conflitos, crises diplomáticas, econômicas e humanitárias, “invasões”… já dizia Bertolt Brecht: A cadela do fascismo está sempre no cio.

Dicas de filmes:

Selma – Uma luta pela igualdade. Direção: Ava DuVernay – Roteiro: Paul Webb – 2014

Corra! Direção: Jordan Peele – Roteiro: Jordan Peele – 2017

Estrelas além do tempo – Roteiro: Theodore Melfi, Margot Lee Shetterly, Allison Schroeder – 2012

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*Laluña Machado é graduada em História pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB, foi uma das fundadoras do Grupo de Estudos e Pesquisas “HQuê?” – UESB no qual também foi coordenadora entre os anos de 2014 e 2018. Do mesmo modo, exerceu a função de colaboradora no Lehc (Laboratório de Estudos em História Cultural – UESB) e Labtece (Laboratório Transdisciplinar de Estudos em Complexidade – UESB). Atualmente é membro do Observatório de Histórias em Quadrinhos da ECA/USP, colaboradora na Gibiteca de Santos e do site Minas Nerds.Sua pesquisa acadêmica tem como foco a primeira produção do Batman para o cinema na cinessérie de 1943, considerando as representações da Segunda Guerra Mundial no discurso e na caracterização simbólica do Homem Morcego. Paralelamente, também pesquisa tudo que possa determinar a formação do personagem em diversas mídias, assim como, sua história e a importância do mesmo para os adventos da cultura nerd. Contato: lalunagusmao@hotmail.com