A tatuagem no Brasil existe muito antes dele ser chamado desse jeito. O ato de decorar a pele permanentemente está presente nos nossos povos originais ainda hoje, mesmo que isso não seja muito divulgado. Mas é sobre a tatuagem nos espaços urbanos que Silvana Jeha se debruçou para nos falar sobre os tatuados brasileiros e seus estigmas entre o século XIX e a década de 1970, quando ainda era símbolo de “marginais”, no seu livro Uma História da Tatuagem no Brasil, lançado pela Veneta.
Ela nos explica a origem do termo tatuagem: “a palavra ‘tatuagem’ deriva de ‘tattow’, registrada pela primeira vez na década de 1780 no relato da viagem do capitão inglês James Cook. Tattow tem origem no termo taitiano tatau. (…). Por algum acaso a palavra taitiana passou, ao longo do século XIX , a nomear uma prática de marcar a pele que já existia com outros nomes no Ocidente e em vários lugares do mundo”.
O livro registra o papel de marujos, que foi central na difusão da tatuagem no território nacional, ao mesmo tempo que fala sobre o significado da tatuagem em quartéis e prisões. Imigrantes de todas as partes do mundo, assim como os africanos escravizados também usavam as marcas na pele como referência cultural ou de grupo, neste período em que a vida urbana do país começa a se consolidar.
Tatuagem sempre até a década de 1970, sempre foi praticada entre as classes populares no país e, por isso, tatuadas e tatuados eram considerados pessoas perigosas, marginais. “As mulheres que se tatuavam eram malvistas, e a prática estava totalmente relacionada a uma sexualidade que não deveria se manifestar. A tatuagem feminina está registrada principalmente entre as prostitutas. A despeito da prostituição nunca ter sido considerada crime, elas eram muitas vezes presas por vadiagem, um artigo de lei que assumiu diversas formas desde o período colonial até os dias de hoje, possibilitando a prisão de um indivíduo que não tivesse ‘ocupação honesta’. Como na Europa e nos Estados Unidos, principalmente as prostitutas pobres e mulheres transgressoras se tatuavam. Nas ruas, nas prisões, nos prostíbulos. Seus corpos, já estigmatizados, não teriam nada a perder com a tatuagem”, explica a autora.
As mulheres tatuadas
No capítulo “Trabalhadores, trabalhadoras, marginalidades”, Silvana Jeha abre espaço para falar das mulheres tatuadas e os estigmas que carregavam: “se a história da tatuagem masculina é obscura, a história da tatuagem nas mulheres é ainda mais. Muitas mulheres que se tatuaram e não passaram pelos órgãos de repressão devem ter escondido pelo resto da vida uma marca que era de infâmia”, descreve Jeha.
A autora registra o relato da vida de diversas mulheres narradas em registros prisionais, ou em jornais populares, e ressalta a desumanização que esses textos promovem. Relatos que ressaltam o papel de pária, pois “às mulheres não normativas dedicam as piores narrativas”. A relação próxima entre a prostituição e a tatuagem nas mulheres é o que ficou deste período relatado no livro.
Entre as mulheres apresentadas neste trecho, conhecemos Vânia Rezende, coordenadora da Associação Pernambucana das Profissionais do Sexo, integrante do movimento LGBT e da Uiala Mukaji, Sociedade das Mulheres Negras de Pernambuco, que fez sua primeira tatuagem em 1972. Também temos acesso aos registros de 30 anos sobre vida a alagoana Batriz Barbosa, mulher tatuadíssima que teve sua vida narrada nos jornais cariocas entre 1919 e 1948. E Marluce, que trabalhava, já no fim da vida, num bordel em Recife nos anos 1990 onde se apresentavam as bandas do Manguebeat se apresentavam.
O livro
Uma edição de luxo, capa dura, com mais de trezentas página com relatos delicados e humanizadores de pessoas marginalizadas, trabalhadoras e trabalhadores, que marcaram a pele entre o século XIX e a década de 1970. Ricamente ilustrado com grande parte das imagens cedidas pelo Museu Penitenciário Paulista, com um design da Casa Rex. Um breve resumo da edição está disponível no site da editora (clique aqui).
A autora
Silvana Jeha é doutora em história pela PUC-Rio. É redatora e pesquisadora de texto e iconografia para diversos livros, filmes e exposições. Sua tese sobre marinheiros no Brasil no século XIX inspirou a sua pesquisa sobre a história da tatuagem no país, esta última contemplada com uma bolsa da Biblioteca Nacional, que mais tarde se tornaria o livro Uma História da Tatuagem no Brasil. Produziu diversos textos acadêmicos sobre indígenas, escravidão, marítimos e prostituição. Atualmente, realiza pesquisa de pós-doutorado sobre os artistas Aurora Cursino dos Santos e Artur Bispo do Rosário. (informações da editora Veneta)
Uma História da Tatuagem no Brasil
Silvana Jeha
Editora Veneta
R$ 109,00
O livro foi uma cortesia da editora
(publicado originalmente no site MinasNerds)