Batman e Sandman: simestrias

por Laluña Machado*

Mr. Sandman, bring me a dream
Make him the cutest that I’ve ever seen
Give him two lips like roses and clover
Then tell him that his lonesome nights are over

Um herói dos quadrinhos que nasceu em 1939, milionário, vigilante mascarado, usa capa, combate o crime pelas noites sombrias, detetive milionário, publicado pela National Allied e inspirado nas revistas pulps. Esse poderia ser o Batman, mas não é. 

A primeira versão de Sandman surgiu na Adventure Comics #40 em julho de 1939, com roteiros de Gardner Fox e arte de Bert Christman. A história era composta na mesma ambientação que caracterizaram os quadrinhos da Era de Ouro, com fortes influências da literatura e do cinema noir e expressionismo alemão, assim foi apresentado Wesley Dodds, um milionário que possuía o “dom” de ter sonhos premonitórios sobre crimes e que decidiu vestir-se com um chapéu, um terno e uma máscara de gás, afinal o herói possuía uma pistola que emitia um gás sonífero que sedava os criminosos ou coloca-los para dizer somente a verdade (tudo que eu detetive precisa). Dodds também tinha um par amoroso, Dian Belmont, que para os moldes narrativos na época a personagem se passava por “incomum”, sobretudo porque ela era uma parceira ativa de Dodds, sabia da sua identidade secreta e na maioria das vezes não era tratada como uma “donzela em perigo”. 

No inverno de 1940 chegava às bancas a All Star Comics #3 com o anúncio da formação da Sociedade da Justiça da América, que além do Flash e Lanterna Verde, o Sandman de Wesley Dodds também foi colocado como um dos membros originais. Porém, as narrativas das histórias em quadrinhos iriam mudar após o ingresso efetivo dos EUA da Segunda Guerra Mundial em 1941, com isso, as histórias seriam marcadas por um contexto de conflitos reais e os personagens dos comics também fariam parte disso. Portanto, com histórias produzidas por Joe Simon e Jack Kirby (um dos poucos quadrinistas que serviu no front durante a guerra) que Dodds se alistou no exército e serviu como artilheiro antiaéreo, ao contrário do Batman que teve uma patente bem inferior, uma 4F.

Após do fim da guerra em 1945 muitos personagens dos não conseguiram me manter no mesmo nível de venda em relação ao que era consumido durante os conflitos, isso aconteceu com o Capitão América e com essa primeira versão do Senhor dos Sonhos. A partir daí foram feitas três variantes do Sandman, a primeira foi na década de 1966 com uma participação pouco convencional no seriado de TV Batman no episódio The Sandman Cometh. Já na década de 1970 foi um período que o herói teve características físicas que ainda não haviam sido elencadas a ele. O personagem deixou de ter uma ambientação mais misteriosa e adotou um paramento mais relacionado aos super-heróis que eram empregues naquele contexto. Na década seguinte, pouco antes de Neil Gaiman transformar por completo todo o universo dos Perpétuos, o filho do casal Gavião que após sua morte e o encontro com Bruce e Glob, entidades do Fluxo dos Sonhos, tornou-se o mais novo Sandman. Essa é a versão que aparece na Batman Noite de Trevas: Metal #1 já que a história também envolve uma investigação de Batman em relação ao metal enésimo do planeta Thanagar, lar dos Gaviões. 

No contexto em que quadrinhos como Cavaleiro das Trevas, Piada Mortal e Asilo Arkham enlouqueciam os fãs do Batman, o arquiteto das narrativas Neil Gaiman começa a dar traços ao personagem que ainda não haviam sido explorados, mesmo que o autor citasse todas as outras versões em seus roteiros esse era o início de um trabalhos mais emblemáticos da história dos quadrinhos. Em janeiro de 1989 foi lançada a primeira edição de Sandman sob o olhar cuidadoso do escritor inglês, esse foi o primeiro passo para o que viria ser 75 edições regulares, publicadas pelo selo Vertigo e que foram retratadas de forma magnifica por alguns dos melhores artistas como Jill Thompson e Dave McKean. 

Na introdução da edição encadernada de Batman: O que aconteceu com o Cavaleiro das Trevas?, além de elencar toda a sua paixão pelo Homem Morcego, Neil Gaiman também destaca as influência que o Cruzado Encapuzado teve nas suas produções, principalmente as que começavam a envolver o universo ficcional de Sandman. Gaiman externa que colocou o Batman na primeira história que ele escrever para a DC Comics, Orquídea Negra, “como uma figura sombria, falando em letreiramento preto e branco (algo que gostei tanto que acabei roubando para o SANDMAN)” e conclui que também colocou o Batman em Despertar, último arco das histórias de Sandman, “apenas para lembrar as pessoas que sim, isso ainda fazia parte daquilo” 

Anos depois em algumas edições dos Novos 52 como Demon knigths e Liga da Justiça Dark, que Sandman iria compor de alguma forma toda a trama, outra interação que ocorreu entre os dois universos foi o encontro do Batman com Clark Kent e o Caçador de Marte no funeral de sonho. Isso tem sido recorrente nas histórias que cortam os domínios da DC, espaços como Hellblazer e Watchmen também estão sendo incorporados as tramas regulares, principalmente as que envolvem o Batman ou personagens associados. No mesmo ano em o Detetive Mascarado completa 80 anos, o Sandman de Gaiman completa 30. Anos que correram com um influenciando o outro de alguma forma, até antes do escritor britânico colocar o personagem como uma das maiores representações de arte das histórias em quadrinhos. Mas você já parou pra pensar o quanto seria realmente incrível se o Morpheus visitasse os sonhos mais perturbadores do Batman?! É… não custa sonhar (ou custa?).

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*Laluña Machado é graduada em História pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB e Pós Graduada História – Uniamérica. Jurada Técnica do CCXP AWARDS 2022, curadora do Santos Criativa Festival Geek, vencedora do Troféu HQMIX 2019 nas categorias Melhor Livro Teórico e Melhor Mix com a produção Mulheres & Quadrinhos e em 2022 com História dos Quadrinhos EUA na categoria Melhor Livro Teórico. Também conta com indicação no troféu Angelo Agostini como Melhor Publicação 2020 com o Mulheres & Quadrinhos. Além de ser a maior especialista acadêmica em Batman do Brasil. Foi uma das fundadoras do Grupo de Estudos e Pesquisas “HQuê?” – UESB, exercendo o cargo de coordenadora entre os anos de 2014 e 2018. Atualmente é membro da ASPAS (Associação de Pesquisadores em Arte Sequencial), colaboradora na Gibiteca de Santos, resenhista da plataforma Social Comics, colunista Mina de HQ e produtora de conteúdo do site Facada X.
Sua pesquisa acadêmica tem como foco a primeira produção do Batman para o cinema na cinessérie de 1943, considerando as representações da Segunda Guerra Mundial no discurso e na caracterização simbólica do Homem Morcego. Paralelamente, também pesquisa tudo que possa determinar a formação do personagem em diversas mídias, assim como, sua história e a importância do mesmo para os adventos da cultura nerd.

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