por Tiago Penna*
Ensaio crítico sobre o filme “Arquitetura da Destruição” (Suécia -1994)
Neste documentário em longa metragem, o diretor Peter Cohen faz uma minuciosa descrição do projeto nazista para embasar sua tese de como esse sistema de governo se baseou em princípios estéticos para justificar sua ideologia política.
O princípio do nazismo é a pureza (baseada, em seus primórdios, na rejeição sexual), e tinha como objetivo embelezar o mundo e livrar-se da suposta ameaça iminente da decadência (ou da “escuridão eterna” que (segundo esta doutrina), a civilização ocidental parecia estar fadada a mergulhar). O objetivo do nacional-socialismo era construir uma nação alemã forte e bela.
Este governo era composto, em sua maioria, por inúmeros artistas (muitos deles, frustrados); e concebia o artista como o intermediário entre o racionalismo e os desejos e sonhos da população, dando a este, evidentemente, um papel crucial em sua formulação.
Hitler logo ascendeu ao poder (em 1933), e imediatamente atingiu um lugar enaltecido e importante na nação; mas fez jus à sua megalomania e transformou este posto em algo desproporcional ao seu papel tradicional. Hitler dava suma importância ao “corpo do povo” – como algo análogo a um ser biológico e racional – e esta preocupação de revitalização do povo perpassou (através da mente de seus ideólogos), todo o período em que os nazismo esteve no poder.
Hitler transformou seus atos públicos em comícios (de proporções astronômicas) de pseudo-arte, nos quais ele atuava, segundo o autor do filme, como cenógrafo, diretor e ator principal. Ainda, Hitler tinha três fixações principais: Lins, sua cidade natal, na qual queria transformá-la no centro cultural da nova Alemanha; a Antiguidade, encarada como um modelo de sociedade a ser seguido; e Wagner, visto como a síntese ideal entre o artista e o político, e do qual herdou as idéias de anti-semitismo, de legado nórdico, e do mito do sangue puro. Hitler acreditava que o modelo ideal de sociedade seria a síntese entre Roma, vista como a república mais importante da história, Atenas com seu cunho cultural, e Esparta, com seu espírito guerreiro.
Mas o nazismo se embasou em princípios (que poderiam ser chamados ingenuamente de “meramente”) estéticos para fundamentar sua ideologia política. A arte era encarada – assim como na Antiguidade e na Renascença – como tendo o dever de expressar o desejo do povo para sua raça. O nazismo pregava a erradicação da arte moderna (censurando completamente, portanto, correntes de vanguarda, tais como o dadaísmo e o surrealismo), chamada de “arte degenerada”, na qual os nazistas faziam um paralelo entre essas obras e a suposta saúde mental de seus autores. Pregavam o fim da loucura na arte. Tomavam como inimigos ideológicos os judeus, que haviam instigado a infiltração da arte bolchevique. Mas logo consideraram os judeus como inimigos da raça pura, assim como os miscigenados e os degenerados (os retardados ou aleijados).
Neste sentido, os nazistas faziam uma inter-relação entre a estética, a saúde, e a ideologia (com suas conseqüências éticas). Daí a importância da arte neste regime político-social. De fato, segundo esta tese, o nazismo foi construído a partir de um embasamento estético, com um vínculo ideológico explícito, que implicou em conseqüências sociais, políticas e, em última instância, éticas.
De fato, havia, na Alemanha da época de Hitler, um avanço científico-tecnológico; como também em outras áreas da sociedade, como a medicina. O nazismo propunha uma solução para a luta de classe a partir de um “despertar estético”, assimilado com um ambiente de trabalho e de moradia limpo e belo para o proletariado, que a partir de então, não viria mais motivos para conflitos.
Como vimos, fazia parte do ideário do nazismo a busca da beleza e da elevação; de forma que pudessem readquirir a (suposta) beleza humana da Antiguidade; além da reconstrução da Alemanha, baseada no noção de progresso tradicional (e também num messianismo implícito, talvez). O nazismo dizia que deveria “enfrentar os deveres” de seu tempo. E dizia mais: “nossa raça e arte resistirão ao julgamento de todo o milênio”. Neste ponto, podemos perceber a correlação que o nazismo apregroa entre o homem e a arte. Havia um culto nazista à beleza.
Os judeus eram vistos como inimigos do nazismo, pela sua preservação racial. Enquanto o anti-semitismo era encarado como uma medida de higiene. O instrumento de embelezamento do nazismo era a matança. O que definiam como um saneamento antropológico; de fato, isto era encarado como uma missão biológica, um tributo sagrado ao sangue puro. A guerra desferida pelo nazismo era uma guerra moderna com objetivos antigos: o genocídio e a escravidão.
E apregoavam ainda que o nazismo não terminaria com o fim da guerra, mesmo que perdida, pois inspiraria gerações futuras. Diziam: “Da derrota, brotará nova semente”. E, nas palavras de Hitler: “Se a guerra está perdida, o povo alemão está perdido”.
Segundo o diretor, é uma tarefa difícil definir o nazismo politicamente, “pois sua dinâmica está repleta de um conteúdo diverso”, especialmente o ideal estético. E diz ainda, que uma bagagem mental obscura e uma estranha noção de política – tipicamente européia – tiveram vazão em Hitler.
Indiscutivelmente, Hitler foi um homem que transformou ideologia em realidade, e ele deve ser avaliado levando-se em conta esta perspectiva.
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* Tiago Penna é candango, professor de filosofia, videasta, roteirista, produtor e mais outras coisas em audiovisual.
EXCELENTE TRABALHO ENVOLVENDO A ESTÉTICA NO NAZISMO. PARABÉNS
Muito bom o texto. É engraçado pensar que eles cultivavam essa estética de seres perfeitos. O propagandista de Hitler, Goebbels tinha uma perna menor que a outra em 10 cm devido a um acidente na infância (ou doença não sei ao certo) o próprio Hitler era franzino além de ter comandantes de exércitos caolhos. Parece Froid falado de seu charuto “as vezes um charuto é apenas um charuto”, parece que a visão de mundo deles só serviam para os outros e nunca para eles mesmos.
Essas práticas voltam sempre mascaradas, as “vezes eles voltam!” Não é um absurdo, pois é um propósito maior ser algo inxistente além do mais o reflexo só aponta aquilo qu quero ver! O Nazismo é foi uma ensaio para uma cegueira coletiva e repito: “vezes eles voltam!” Não é um absurdo, pois é um propósito maior ser algo inxistente além do mais o reflexo só aponta aquilo qu quero ver! Essas práticas voltam sempre mascaradas…
Excelente texto. Tanto é verdade que o nazismo pregava uma estética “clássica” que apenas na Bielorrússia, 628 aldeias foram incendiadas com todos os seus moradores. Por que matar camponeses ingênuos e ignorantes? Por isso mesmo, oras! Além de ignorantes, eles eram sujos e feios, nada mais natural, para os nazistas, que não apenas fossem mortos (tiros, bombas) mas, de fato, extintos (incinerados metafórica e fisicamente).
Na minha cidade natal, São Leopoldo (RS), cidade fundada por imigrantes alemães, a Prefeitura ficava num lindo prédio construído em fins do século XIX. Como as ideologias fascistas já circulavam pelo mundo “culto” ocidental facilmente já nos anos 20, em fins da década de 30, decidiu-se que o prédio deveria ser demolido, por ser “arcaico”. Construiu-se um “moderno” caixote de concreto em estilo art deco, muito feio por sinal, e que é a sede da administração municipal até hoje. Este prédio representaria a “nova ordem” que estava chegando “antes” ao interior do RS. Para inaugurá-lo, em 1940, esteve na cidade ninguém menos que Getúlio Vargas (este no auge de sua “simpatia” pelo nazismo) \Enfim, se procurarmos, vamos encontrar vários sinais da estética nazista por aí e com alguma “boa vontade” e estômago muito forte veremos que quando eles massacravam milhões estavam encarando isso apenas como um grande serviço prestado ao mundo em prol da beleza e pureza “clássicas”.