Fui treinada para contar coisas para os outros. Basicamente fatos cotidianos bobos. Todos eles. O atropelamento de um cachorro numa via em que não podia passar carros, o escândalo de uma socialite numa festa, a corrupção de um grande órgão do governo. Todo esse tipo de banalidade.
A futilidade nem está no fato em si, mas no fato de que a notícia tem que ser descartável e incompleta. Uma matéria definitiva sobre qualquer coisa é o fim do interesse sobre o assunto (e o fim do ganha pão de muita gente). Análises supérfluas são sempre bem-vindas nesse cenário. O jornalismo nunca atinge a raiz do problema porque se perde nos efeitos, fica cego relatando dia-hora-lugar-quem-o-que-como-porquê. Numa análise política dificilmente se chega muito longe, os limites estão sempre nos últimos dez anos, mais ou menos.
Isso se deve também aos interesses dos veículos de comunicação. Assessoria de imprensa, ou não, há sempre um chefe que dita o que pode e o que não pode ser publicado. A regra se aplica a todos, reclamem ou não os profissionais que atuam neles. Não podemos ser ingênuos nisso também. Isso não deve se aplicar apenas nos veículos independentes, em que todos os que escrevem seguem a mesma linha editorial, por acreditarem nas mesmas coisas.
Em busca da objetividade perdida, os jornalistas acreditam realmente ser os porta-vozes da verdade, ao relatar fatos importantes para a sociedade. Nós sofremos de uma crise de raciocínio primária, pois o que nos ensinam nas escolas e nas redações é ir contra tudo o que nos falavam sobre bom e ruim, certo e errado.
Vi uma entrevista com o Gilberto Dimenstein num programa que gosto muito, Saca-Rolha, da Rede 21. Dimenstein enumerou três coisas que os jornalistas aprendem na faculdade que vão contra o pensamento lógico: 1) o tempo é nosso inimigo; 2) notícia ruim é notícia boa; e 3) o importante é o efêmero. Está aí, só entrando em crise existencial mesmo. Todo o stress, a ansiedade do mundo vem de onde?
De tanto dizer que o jornal é o porta-voz da verdade, a sociedade acredita. O simples formato do jornal já dá o tom realístico dos fatos. Qualquer coisa que se diga neste formato será confundido com a verdade.
E sobre a objetividade jornalística, na melhor que a definição do Manual da Folha:
“Não existe objetividade em jornalismo. Ao redigir um texto e editá-lo, o jornalista toma uma série de decisões que são em larga medida subjetivas, influenciadas por suas posições pessoais, hábitos e emoções.
Isso não o exime, porém, da obrigação de ser o mais objetivo possível. Para retratar os fatos com fidelidade, reproduzindo a forma em que ocorreram, bem como suas circunstâncias e repercussões, o jornalista deve procurar vê-los com distanciamento e frieza, o que não significa apatia nem desinteresse”.
Manual Geral da Redação. Verbete Objetividade. Folha de S. Paulo, 1987.
Entrei em crise de identidade depois de ler isso. Não existe objetividade, mas preciso buscar ser o mais objetiva possível. Ser fria, sem ser apática. Ou seja, ser falsa para dizer a verdade. Por isso que decidi estudar Filosofia. Um pouco de sanidade neste mundo insano. Ah, e a verdade não existe.