por Flávia Diab*
Promessa é dívida. Estava devendo ao Facada uma página do meu diário de viagens. Vim pra Portugal, rodei a Espanha. Comi muitos tapas e tomei muitas copas de vino. Participei de digreções punks pela península, passei frio e enjoei de comer jámon (fucking jámon). Voltei ao Brasil-il-il. E cá já estou de volta em terras portuguesas. Mas promessa é dívida. Então vamos lá.
Memórias de uma brasuca no Alentejo
Antes de tudo: vocês não sabem de nada. Portugal é um país lindo. Cheio de sítios lindos, praias, campo, serras. Comidas sensacionais, vinhos excelentes, música ótima e gente muito fixe. (além de guardar meu portuga-turco, coisa linda).
O rio tejo (oh! Rio tejo…) corta Lisboa (oh! Lisboa…) e por conseguinte é sufixo de duas regiões em Portugal. Acima do tejo, ribatejo. Abaixo do tejo, alentejo. Sacaram?
No último final-de-semana, fui ao alentejo, onde meu gajo nasceu e tem família. Em Lisboa, a presença brasileira é marcante. Não só através do pior da nossa música (axé music e samba rede globo), mas trabalhando por todo o lado: bares, restaurantes, lojas, agências de publicidade. São adorados e detestados. São alegres e festeiros, mas tiram emprego de gente portuguesa.
Agora… já nas profundezas do Alentejo, não sabia muito sobre o imaginário que se tem sobre nós, brasucas. Nosso alcance já não é tão extenso assim. Algo exótico? Talvez. A Aldeia dos Fernandes fica num planalto lindo e tem pouco mais de 400 habitantes. Toda a gente me recebeu amávelmente. Eu, todavia, sentia de tempos em tempos um rabo-de-olho sempre a me acompanhar: “ê pá! então… olha a brasuca…”. Euzinha, igual a eles, usava calça jeans, tomava café expresso e era até bonitinha…
A “minha família” portuguesa lembrava a minha própria. Mãe cozinhando, comida boa, família toda a mesa, risadas, conversas e afins. Me parece esse conceito ser universal, o da família (com suas excessões, claro), mas que pra mim siginifica essencialmente acolhida, e isso encontrei. Longe longe, de minha casa, em um campo no interior de Portugal. O mundo é enorme, e é bem pequeno também. Basta sair porta afora e ver.
Que soem os tambores!
Castro Verde fica bem ao lado da Aldeia dos Fernandes. Uma cidade, com rádio própria e tudo. Diab parte para o Kiosk Bar, uma noite de divertimentos e copos, mostrando um pouco sobre o nosso som.
E vamos lá. E tome samba-rock. E tome mundo livre s/a e chico science com sua nação zumbi. E um rockzinho ali, outro acolá. “hum… isso é música brasileia também”, pensavam os portugas, balançando as cabeças e os pézinhos. Me esforcei pra botar fogo… uma ou outra pegava mesmo. Ok.
Mas foi quando os tambores de Clementina de Jesus bateram foi que a gringalhada sambou (ou tentou sambar) e o bicho pegou. E daí foi côco, embolada, samba e mais samba. Um maxixe ali, e mais batida. Então entendi a força da nossa música, que é inigualável à poucas músicas no mundo. E o alcance da nossa batida, que não deixa ninguém parado.
Então ficou ali a brasuca, mostrando alguma coisa do Brasil. Mal sabiam eles que o Brasil poderia ser assim, tão intenso, de batucada tão pulgente. E meu coração foi batendo junto, contente, na batida do agogô.
Que Jorge Ben que nada! Deixa é a batucada comer pros gringos sapatearem. Que soem nossos tambores!
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*Flávia Diab é brasiliense, produtora cultural, se interessa por cinema, música e atividades terroristas. Mora em Lisboa.