por André Rafaini Lopes
Osamu Tezuka é considerado o Disney japonês. Não gosto muito dessas comparações, mas dá para se imaginar um pouco da força cultural do autor. Enfim… Esse textinho é só pra babar um pouco na genialidade de Tezuka.
Atualmente em publicação no Brasil, Buda conta a vida do líder espiritual com pitadas de ficção. No total, são 14 livrinhos que cobrem desde a juventude do príncipe indiano até seus últimos dias. Além de inúmeras histórias paralelas, o desenhista passa alguns fundamentos dos ensinamentos de Buda e deixa transparecer diversas discussões sobre política e sobre como uma religião pode perder seu caráter ideológico para virar uma instituição como todas as outras. Pois bem. Numa dessas, Tezuka nos apresenta um monge que não abdicou plenamente de seu ego e ainda sonhava um Budismo montado sobre templos grandiosos e de hierarquias rígidas. Vale lembrar que apesar do tema, a publicação é voltada para crianças! Pergunto: quando um brasileirinho se depararia com um debate desses em algum gibi do Maurício ou mesmo do Disney?
Voltando: o dito monge decide, então, fazer um acordo com um príncipe que, pode decreto e na ausência de Buda, determinou que se transformasse no líder dos budistas. Só tirando os escolhidos por Buda do comando, ele poderia reorganizar o grupo à sua vontade. Por uma pegadinha semântica, o golpe foi evitado. A lei dizia que “Os seguidores deveriam adotá-lo como autoridade suprema” e não “Todos os seguidores”.
Os escolhidos por Buda, muito melhores intencionados, decidem que o decreto seria cumprido em seus termos e lançam a pergunta ao rebanho. Seguiria o monge golpista quem assim o quisesse.
E aqui aponto outro aspecto da genialidade de Tezuka. Acompanhe os quadrinhos no qual o traidor clama à multidão (leia da direita para a esquerda, inclusive os balõezinhos – o livro é publicado no formato original).
Não bastasse a complexidade do roteiro, Tezuka é dono de uma habilidade ímpar para o humor – que é empregada até hoje na linguagem dos mangás. Como poucos ele sabia misturar registros. Quando menos se espera, lá está uma sacada de mestre.
Essa imagem acima é um exemplo de arrepiar. No primeiro quadrinho, os dois líderes escolhidos por Buda. No segundo, o golpista. E, no terceiro, a referência cruzada. Para mostrar quais monges se desgarrariam, Tezuka tomou emprestado uma das cenas de maior impacto do filme Contatos Imediatos do Terceiro Grau (Close Encounters of the Third Kind, Spielberg,1977). Nele, cientistas saem pelo mundo, mapeando a ocorrência de aparições dos discos voadores e de uma música que os acompanhava. Terminam por chegar à Índia, onde a combinação de notas era entoada como mantra por um grupo enorme de pessoas. Os cientistas as encontram reunidas e cantando. Como o auxílio de um intérprete, perguntam aos gritos de onde veio aquela melodia. Os indianos respondem com um único gesto: o dedo em riste, apontando os céus. Até então, a câmera captava os cientistas ao fundo, num nível mais elevado, cortando tudo o que estava abaixo deles. O gesto vem na altura exata para irromper na tela. Assustando o espectador por revelar de forma abrupta que aqueles personagens ainda estavam na cena e também pela quantidade de pessoas que provavam de maneira irrefutável que os OVNIs não eram frutos da imaginação.
Tezuka magistralmente brincou com a solução de Spielberg e, como moleque, deixou patente que aprontara uma arte. Nos balõezinhos, um monge grita o nome do cineasta americano e outro, num pentagrama, canta as notas dos discos voadores.
Com o final da publicação de Buda. Só nos resta mantermos o espírito zen, enquanto esperamos o novo lançamento da Editora Conrad: Adolf, a gibiografia de Hitler, também das mãos de Osamu Tezuka.