Cinco Anos

por Roberta AR

Já são cinco anos sem ela. Quando decidi ir embora talvez eu ainda não tivesse ideia de que desta vez seria para sempre.

De vez em quando aparece uma notícia, ou ela mesma. Da última vez fui eu que a procurei, já fazia dois anos sem contato, porque ela me pediu. Depois disso, ela foi embora daqui, se mudou para o outro lado do mundo.

Nosso relacionamento sempre foi difícil, éramos muito iguais.

– Cem anos de solidão, estou lendo agora, – ele diz – é maravilhoso.

– Li mês passado. Tive que desenhar a árvore genealógica da família, para não me perder na história. – ela responde, pensando no tempo que tinha passado sem ele.

Sentados na mesa de um bar, depois de dois anos sem se encontrar, eles conversavam sobre a vida de uma maneira bem superficial, considerando que antes desse intervalo costumavam conversar praticamente todo o dia, durante anos.

Ela parecia não se importar muito com o que estava acontecendo, talvez fosse fake essa impressão que causava. Ele se esforçava para restabelecer o contato, nada longe do esperado, depois de tanto tempo sem se ver.

Ele acabara de terminar um relacionamento, um dos motivos porque estavam sem se ver há tanto tempo. Ela estava apaixonada, namorando um estrangeiro há mais de um ano, mas não disse nada sobre isso.

– E a sua família, como vai? – ele pergunta.

– A mesma coisa…

– Minha irmã casou com o Osoaldo.

– É o mesmo menino que eu conheci? – Ela pergunta meio desinteressada.

– É sim. No casamento revi muita gente. O… – ele fala um tempão sobre o assunto.

– … – ela quer mudar de assunto, mas decide ficar calada ouvindo

Ela estava com o coração longe, no estrangeiro. Tinha vindo para a cidade apenas dar andamento a alguns documentos e arrumar a mudança. A vida tinha mudado muito rápido, em menos de um ano já estava quase casada e saindo da cidade que ama tanto.

– Te falei que estou de mudança para o estrangeiro?

– Como assim?

– Estou na cidade apenas para arrumar a mudança.

– Sabe, achei quase um milagre ter conseguido falar com você hoje. Já faz dois meses que te ligo praticamente todo o dia, mas só a secretária eletrônica atendia.

– É que passei esse tempo lá, arrumando as coisas para a minha chegada. – ela começa a falar do estrangeiro.

– … – ele olha intrigado.

Estou com saudade da cidade. Talvez eu volte para lá, mas não agora. Tenho muito o que fazer no estrangeiro ainda. Estou me sentindo mais feliz. Uma boa companhia.

Sempre me relacionei com pessoas que me fizeram muito bem, apesar do fim nunca ser bom. Recebi uma mensagem dele esta semana. Essas coisas de internet, o mundo fica tão pequeno. Ele continua na cidade, perguntou dos meus sonhos.

Lembrei do fim. Um amigo me achou sozinha em casa e me chamou para sair, uma balada na cidade. Éramos dois casais, apesar de ninguém namorar ninguém. Voltamos andando, bêbados, a caminho da casa de um deles, que eu não ia voltar para casa naquela noite.

Ao lado do muro de um cemitério, no meio do caminho, encontramos um tarô jogado no chão. Decidi propor um jogo: “cada um pega uma carta”. Um pegou o Sol, os outros dois eu não me lembro. Na minha vez: A Roda da Fortuna. Nem de tarô eu entendia naquele tempo, mas nesse momento a roda começou a girar.

– Com licença,  – um rapaz da outra mesa decide invadir a conversa – você conhece o estrangeiro? Eu sou de lá, faz tanto tempo que não tenho notícias.

– Eu estava lá dois dias atrás. Está tudo como sempre pareceu estar. – Ela decide ter a conversa invadida.

Lembro de uma tarde em que fui buscá-la no trabalho. Fomos a uma lanchonete que era considerada ponto de encontro homossexual, tinha uns lanches muito bons e ela gostava de ficar na varanda, olhando a rua cheia de carros na hora do rush, antes de anoitecer. Conversamos muito tempo, como em todas as vezes que nos encontramos.

Hoje eu me lembrei de uma conversa que tivemos naquela lanchonete que nem existe mais. Aqui no estrangeiro tem um café com uma varanda parecida, mas a paisagem é outra.

– Desculpe perguntar, mas como é que você conhece tão bem esse lugar?

– Meu namorado é de lá.

– …

Aqueles foram tempos difíceis de adolescentes com pais alucinados. Loucos mesmo. Foi quando me tornei mulher e passei a apreciar as pequenas características do mundo feminino. Não o cor de rosa, ou maquiagens e revistas femininas, mas as mudanças hormonais, o crescimento do corpo, o humor, a delicadeza, o carinho. Coisas assim. Foi lindo, mas imensamente dolorido.

– Há quanto tempo estão juntos?

– Algum. Foi tudo muito rápido. Muito certo.

– Ele tem que idade.

– A sua.

– Signo.

– O mesmo que o meu.

– Isso é bom. Pessoas do seu signo costumam sempre a se dar bem. E a enfrentar os piores problema sem que isso afete o relacionamento.

– Isso deve ser bom então.

– Sim, claro que é…

Quando ele foi embora, me disse que não me queria porque precisava de mais. De algo que ali não conseguia. Tudo me pareceu uma bobagem, uma desculpa. Exigi a verdade. Chorei muito, tentei não ser melodramática, mas os fins só ficam bem mesmo em novelas mexicanas. Absolutamente verossímeis.

– Vamos para outro lugar?

– Como?

– Dançar? Não quer dançar?

– Vai ser bom para me despedir da cidade.

Na última vez que nos vimos, fomos dançar num bar na vila. A casa estava cheia e ela bebia o tempo todo. Pensava em algo que não conseguia identificar. Fomos para a pista, mas de minuto em minuto ela se afastava. Ia para o bar. Para o banheiro. Conversávamos aos gritos, o som estava alto, e ríamos à vontade. Bom estar com ela assim, solta. Em certo momento tocou a música que ela gosta tanto e ela não estava na pista. Corri por todo o bar até encontrá-la. Eu precisava deste momento com ela.

– Tá tocando Ashes to Ashes lá embaixo, você não vai descer.

– …

– Vamos lá, tá tocando Bowie.

– Ah, tá. Já vou…

Na última vez que nos vimos fomos dançar. Eu já tinha bebido mais do que de costume, tinha comido um cachorro quente, que já estava no vaso sanitário. Uma garota me disse naquele momento, me olhando de cima da divisória do banheiro: “vomita mesmo, gata, é o melhor que você faz”. Depois de tudo isso, estava esperando minha bebida nova no balcão, ele chegou correndo e gritando alguma coisa sobre o Bowie, que eu demorei para entender. Disse que já ia, sem saber do que se tratava, até chegar na pista cantando junto “oh no, not again” e todo o resto. Quando cheguei em casa é que me dei conta do que tinha acontecido.

Dançamos, ela cantava com aquele rostinho contaminado pela voz do cantor que gosta tanto.  No bar encontrei com uns amigos que quis apresentar pra ela e conversamos até o dia amanhecer. Ficamos de nos encontrar antes de ela ir embora. Ela deve aparecer por aqui qualquer dia.

Ele queria me ver antes de eu ir para o estrangeiro. Nos encontramos por acaso mais uma vez numa outra casa noturna. Quase não conversei com ele. No pouco que falou, me disse que um casal que ele me apresentou no outro bar tinha sofrido um acidente naquela mesma noite. Ainda estavam no hospital. Pensei nos nossos ossos quebrados durante os anos em que estivemos juntos. Cicatrizes que me orgulho em carregar por não serem mais feridas expostas.

– Ouve. Você gosta tanto…

– “I’m happy hope you’re happy too”…

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