Crumb e Shelton em SP

por André Rafaini Lopes

Juro que tentei um título mais inventivo, mas já tinha feito trocadilho com o título desse blog antes. Hoje, o primeiro que pulou em minha mente foi “Facada no Crumb”. Bah, vou na boa e velha manchete à jornalista.

Mas que inferno! Os dois papas dos quadrinhos underground norte-americanos na minha frente e tudo o que tenho é “Crumb e Shelton em SP”. Fuck it, man! Vai ficar assim mesmo.

Em 10/08, eles participaram de uma palestra pós-Flip na Livraria da Vila, em São Paulo/SP. O espaço definitivamente não era o mais adequado para receber Robert Crumb e Gilbert Shelton. Não sei precisar quantas pessoas se encarapinharam no salãozinho da livraria para ouvir os quadrinhistas, mas dá para cravar: 40 foram os sortudos que pegaram as 40 senhas que dariam direito aos autógrafos. Revoltante. Cheguei lá uma hora e meia antes do combinado e já tinham se esgotado.

Revoltante, mas me conformei. Keep on truckin’.

Os dois foram extremamente dóceis com o publico formado em parte por paulistanos modinha (com bem definiu @wmodro), nerds (alguns daqueles mais estranhos, como eu – o único de terno e gravata), poucos artistas (divisei os gêmeos Moon e Bá, Laerte Sarrumor do Língua de Trapo e o Borbs do Judão gravando pela MTV – ele pode ser considerado artista?), alguns senhores de meia-idade e pouquíssimos adultos (será que os moleques que liam Crumb quando de sua publicação já abandonaram o ídolo?).

Shelton, dado pela imprensa brasileira como o mais extrovertido do duo, ficou eclipsado por Crumb que ora parecia um cartum vivo ora o senhor de quase 70 anos que efetivamente é. Por exemplo: quando entrou em cena e os flashes começaram a estourar, Crumb literalmente saltou sobre duas cadeiras para se esconder e retornou pelo mesmo caminho quando a turma começou a tirar fotos somente com a luz natural.

Aliás, isso é algo a ser lembrado: antes do começo da palestra, os organizadores informaram que somente durante os primeiros cinco ou dez minutos seriam tolerados os flashes, a pedido dos desenhistas. Como se viu, Crumb não suportou tanto. O fato é que uma fotógrafa desavisada e tardia inventou de registrar imagens durante a conversa. Não chegou a dar o primeiro clique (ou deu, mas minha memória acha mais romântica a situação criada) e boa parte do público já lhe chamou a atenção, em voz alta mesmo, para que desligasse, protegendo o ídolo.

Voltando ao Crumb, três imagens que vão ficar na minha cabeça: o sorriso meio abobalhado, as mãos espalmadas nas bochechas para demonstrar a surpresa em ver tanta gente e as mãos magras.

Esse texto, entretanto, está se desvirtuando. Aqui pouco importa a visão do repórter – prefiro me pensar talvez como representante do Facada -, mas o que falaram Crumb (RC) e Shelton (GS). Faça a lição de casa, procure na internet mais informações e fotos sobre a carreira desses dois. Imprima as imagens, desenhe balões e copie as frases abaixo ditas durante a palestra.

“A Bíblia não foi escrita por Deus, mas por homens. E é provável que tenham criado sob efeito de alguma substância alucinógena.” RC

“Matusalém viveu 900 anos ou estava tão chapado que teve essa ilusão?” GS

“Eu não gostaria de tomar cerveja com ninguém que já morreu.” RC

“Em São Francisco, a polícia te para por alguma infração de trânsito e pede para jogar fora toda a maconha antes de te levar para a delegacia.” GS

“A droga certamente amplia seu campo de visão, mas quando o efeito passa ou você se mata ou procura outras formas de inspiração.” RC

“Pékar em inglês significa pênis.” RC corrigindo a pronúncia de Caco Galhardo, o mediador da conversa (o acento agudo é meu, para que você entenda)

“Como alguém em sã consciência não é socialista?” RC

“Desenho com um graveto mergulhado em lama.” GS

“O que me impressionou é a doçura do povo brasileiro.” RC, que saiu do encontro com uma pilha de meio metro feita de 78 rotações dados pelos fãs. Crumb é colecionador de discos.

“Troquei seis sketchbooks por um apartamento na França.” RC

Cena única: Crumb escreve uma dedicatória imensa para a garota que, de alguma maneira, o provocou. Antes de entregar o livro, tenta consultar o material, olhando as pernas dela por baixo da mesa – com a anuência dela, claro.

“Os Três Patetas e Bukowiski é tudo o que você precisa conhecer da cultura americana.” RC surpreso com o fato de os brasileiros saberem do que estava falando.

“Garotas usando jeans e camisetas apertadas. É o paraíso para um voyeur.” RC

“Isso é um som de bebê? Aqui não é lugar de trazer um bebê.” RC

“Fico surpreso de as pessoas gostarem de mim, minhas histórias estão cheias de misantropia.” RC

“Cheech e Chong retratam os hippies de Los Angeles. Cheech Marin, por exemplo, é um imigrante mexicano que se aproveita da burguesia com malandragem. Os Freak Brothers são todos burgueses.” GS

“Acho que um dia ainda alguém vai se levantar da multidão e atirar em mim.” RC

“Shut the fuck up.” RC, ao fã mais exaltado que tentava fazer pergunta falando mais alto que a ruivinha premiada com a, então, última pergunta do encontro. Sim, Crumb fazia questão de pedir ocasionalmente perguntas vindas do público feminino. E meu passatempo, em devaneios, foi procurar na multidão alguma espectadora para que o Crumb montasse de cavalinho, se assim houvesse a oportunidade.

Com o fim da palestra, abriram a sessão de autógrafos. Respeitando a desorganização da casa, fiquei olhando do meu lugar os autógrafos saindo com um misto de arrependimento por não ter a cara de pau para me misturar à turba e o contentamento de estar no mesmo salão que esses ídolos.

Alguns mais atrevidos conseguiram driblar a marcação e colocavam livros na mão do Crumb, sendo apenas repreendidos por olhares feios. Dei um tempo. Depois dos 40 sortudos terem seu prêmio, percebi que começaram a liberar o acesso aos desenhistas para todos. Aqui entra meu lado estrategista, como estava bem acima de todos, descobri o ponto fraco da muvuca e ataquei.

Saí de lá com um autógrafo de Crumb e a sensação de ter apertado a mão de um monstro, além de um puta sorriso no rosto.

Em tempo: depois do autógrafo, comecei tomar o caminho de casa. O pavilhão de saída ficava um nível acima de onde estavam os desenhistas. Deu cinco minutos e ouvi os últimos fãs aplaudirem a apresentação: Crumb e Shelton estavam indo embora. Olhei pra trás a tempo de ver o primeiro inexplicavelmente pular sobre o corrimão da escada.

Pelo vídeo abaixo – os primeiros 20 minutos da apresentação – dá para ver a altura vencida por Crumb. O som está detestável, mas dá para curtir um pouco a emoção de estar em frente a uma lenda viva.

parte 1

parte 2

Ou faça o download aqui.

4 comentários em “Crumb e Shelton em SP

  1. algumas questões ficaram pendentes, john: qual é a sensação de ser batizado por crumb? vc vai precisar ser circuncidado?

  2. Muito bom o texto! Conhecer ídolos é uma das coisas que fazem a vida valer a pena. Parabéns, dude!

  3. Putz, Biu… ainda preciso racionalizar minha transformação espiritual da última terça (essa é a única parte séria da resposta)! É capaz que ainda funde uma nova igreja algo como o Sacred Heart of Crumb, ou algo que o valha. Com relação à segunda pergunta, não tenho resposta (ainda)! Tendo em vista os direcionamentos sexuais do nosso beato, acredito que o destino dos membros fiéis será essencial para definir os preceitos da igreja! Fez sentido?

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