por Roberta AR
Fazia dois meses, mais ou menos, que todas as manhãs, ao acordar, ficava olhando horas para o guarda-roupa pensando no que deveria levar em sua fuga. Não aguentava mais viver naquele lugar, apesar da linda vista que tinha da janela de seu quarto.
“Ninguém pode viver uma vida dessas”, pensava ao fazer a lista mental dos itens essenciais para sua nova vida fora dali. Iria levar uma bolsa não muito grande, a que costumava usar em suas viagens pelo país afora, a mesma bolsa que levou para o lugar aonde agora estava. “Levo alguns discos, uns poucos livros, roupas de frio, que aqui não uso, mas vão ser bastante úteis em outro lugar, e minhas roupas favoritas. O resto deixo”.
Sabia o horário dos ônibus para vários lugares que a interessavam. Era só começar a empreitada.
Depois de muito esforço levantava da cama. Às vezes tomava café, comprava o pão na padaria do centro, que ficava no meio das casas coloniais. À tarde ia a uma das igrejas barrocas, lindas, implorando àquele deus uma saída, que ali não aguentava mais estar.
O lugar onde morava era perfeito: 13º andar do prédio mais alto da parte mais alta da cidade. Dali se via o mangue e o rio até a sua foz e depois o mar lá longe. Sete igrejas de vários estilos, todas bastante antigas. Tudo lindo. E uma angústia a corroía ao pensar nisso. “Podia ser tudo tão bom”.
Gostava dali, mas não podia ser. Tentava suportar a dor de todo dia. Os vendedores na rua fingindo que não a entendiam por causa do seu sotaque de fora, apesar de ouvi-lo todos os dias nos jornais da TV. Tentou trabalhar, mas a consideravam mais capacitada do que o cargo precisava. Sempre. Por ser competente demais, estava prestes a passar fome. Tudo só provava que não podia ser, não a queriam ali.
A palavra amor estava na moda aqueles dias. A palavra, mas não o ato mesmo de amar. Todo mundo centrado demais nas próprias carências gritando “mais amor por favor”, sem entender que amor é ação que tem quer ser praticada e não um objeto que se ganha assim do nada. Isso a fazia se sentir ainda mais angustiada.
Seu impulso, o que a levou até ali, foi o de se entregar, o de se jogar no abismo do desconhecido, mas queriam mais dela, muito mais, sua alma. Um dia, surtou. Não suportou mais a dor do filho que não veio (teria dez anos se tivesse acontecido, ela pensou), das coisas que queria fazer e que foram sabotadas, dos abusos verbais de pessoas horríveis. Tudo muito, tudo surto, tudo abandono.
Permaneceu em silêncio.
Um dia se levantou e foi.