por Friedrich Nietzsche*
Este livro destina-se a muitíssimo poucos. Talvez nem sequer um deles viva ainda. Serão esses, porventura, os que compreendem o meu Zaratustra…Como poderia eu misturar-me com aqueles para quem hoje se aprontam já ouvidos? Só o depois-de-amanhã me pertence. Alguns nascem póstumos.
Conheço demasiado bem as condições em que alguém me compreende e, além disso, com necessidade me compreende. Há que ser íntegro até à dureza nas coisas de espírito para aguentar a minha seriedade e a minha paixão; estar afeito a viver nas montanhas, a ver abaixo de si o mesquinho charlatanismo atual da política e do egoísmo dos povos. Importa ter-se tornado indiferente, é preciso nunca perguntar se a verdade é útil, se chegará a ser uma fatalidade… Necessária é também uma preferência da força por questões a que hoje ninguém se atreve; a coragem para o proibido; a predestinação para o labirinto. Uma experiência de sete solidões. Ouvidos novos para uma nova música. Olhos novos para o mais longínquo. Uma consciência nova para verdades que, até hoje, permaneceram mudas. E uma vontade de economia de grande estilo: reter conjuntamente a sua força, o seu entusiasmo… O respeito por si mesmo, o amor-próprio, a liberdade incondicional para consigo…
Pois bem, só esses são os meus leitores, os meus autênticos leitores, os meus predestinados leitores: que importa o resto? O resto é simplesmente a Humanidade. Há que ser superior à humanidade em força, em grandeza de alma – e em desprezo…
.
.
* Friedrich Wilhelm Nietzsche (1844 – 1900) foi um influente filósofo alemão do século XIX. Trecho extraído do livro O Anticristo, de 1888. Já tinhamos publicado outro trecho aqui.