Inverno

por Francisca Júlia da Silva*

INVERNO [1]

Inverno. A neve flutua,
Cai sobre tudo e se espalha,
Como uma branca toalha
Sobre a estrada imensa e nua.

O vento causa arrepio
Aos medrosos passarinhos,
Que se encolhem em seus ninhos
Desesperados de frio.

O vento assovia e chora;
Há como um coro de mágoas
No burburinho das águas
Que descem campina fora.

Mata a neve cada arbusto;
Rola dos ares, desfolha
As árvores, folha a folha,
Que se arrepiam de susto.

No céu há nuvens sombrias;
As roseiras das estradas
Estão todas desgalhadas
À fúria das ventanias.

O inverno é feio e inclemente;
Um velho mastim vadio
Todo transido de frio
Uiva ao céu sinistramente.

Não há calor nem conforto;
Não há rumor nem gorjeio;
Tudo parece tão feio!
Parece que tudo e morto!

De neve tudo coberto;
Os ventos correm às doudas;
Das quatro estações, de todas,
O inverno é a pior, de certo.

A neve desce, flutua,
Cai sobre tudo e se espalha
Como uma branca toalha
Sobre a estrada imensa e nua.

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INVERNO [2]

A João Luso

Outrora, quanta vida e amor nestas formosas
Ribas! Quão verde e fresca esta planície, quando,
Debatendo-se no ar, os pássaros, em bando,
O ar enchiam de sons e queixas misteriosas!

Tudo era vida e amor. As árvores copiosas
Mexiam-se, de manso, ao resfolego brando
Da brisa que passava em tudo derramando
O perfume sutil dos cravos e das rosas…

Mas veio o inverno; e vida e amor foram-se em breve…
O ar se encheu de rumor e de uivos desolados…
As árvores do campo, enroupadas de neve,

Sob o látego atroz da invernia que corta,
São esqueletos que, de braços levantados,
Vão pedindo socorro à primavera morta.

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*Francisca Júlia César da Silva Münster (1871 – 1920) foi uma poetisa brasileira. Nasceu em Xiririca, hoje Eldorado Paulista. Colaborou no Correio Paulistano e no Diário Popular, que lhe abriu as portas para trabalhar em O Álbum, de Artur Azevedo, e A Semana, de Valentim Magalhães, no Rio de Janeiro. Foi lá que lhe ocorreu um fato bastante curioso: ninguém acreditava que aqueles versos fossem de mulher e o crítico literário João Ribeiro, acreditando que Raimundo Correia usava um nome falso, passou a “atacá-lo” sob o pseudônimo de Maria Azevedo. No entanto a verdade foi esclarecida após carta de Júlio César da Silva enviada a Max Fleiuss. A partir daí João Ribeiro empenha-se para que o seu primeiro livro seja publicado e, em 1895, Mármores sai pela editora Horácio Belfort Sabino. Já a essa altura era Francisca Júlia considerada grande poetisa nos círculos literários.