(Aviso: o texto contém spoilers sinalizados no penúltimo parágrafo)
Tínhamos tirado o sábado para descansar quando o amigo Reinaldo Cardenuto (ele já participou do finado podcast, lembra?) chama para um jantar seguido de cinema. Que filme? “Terror”. Troquei olhares com a Ju (esposíssima), que não é tão fã do gênero. Olhei pro dia frio lá fora. Olhei pro sofá com uma cobertinha aconchegadamente amarfanhada e uma cã preguiçosa deliciosamente dormindo. Olhei para a TV e os jogos olímpicos que passavam convidando para ver a próxima modalidade… e a próxima… e a próxima… No final, a saudade do amigo falou mais alto. Fumos.
No meio do hambúguer descubro o título do filme “O diabo mora aqui”.
Olho de novo pra Ju. E Reinaldo complementa: “Feito por uns ex-alunos meus… os mesmos que fizeram Nerd Of The Dead”. Aí é a Ju que olha pra mim sabendo que o programa já tinha me conquistado ali. (Até tínhamos pensado em voltar para casa depois do jantar… Naquela noite, o time masculino brasileiro de vôlei ia pegar a Itália vindo de uma derrota! Eles precisavam da gente!) Tarde demais. O time do Bernardinho começou a perder a partida naquela mesa da lanchonete. Nerd of The Dead foi uma inspirada minissérie veiculada pelo Omelete sobre dois moleques (nerds, duh!) no meio do apocalipse zumbi.
Um resquício do trailer de Diabo voltou à lembrança. Nada muito concreto. Bem, caímos de cabeça na produção de Dante Vescio e Rodrigo Gasparini, sobre história de Guilherme Aranha, Rafael Baliú e MM Izidoro. E devo dizer que foi a decisão mais acertada. Aquela provavelmente seria a última exibição nos cinemas em São Paulo, partindo dali para Net Now e Telecine. Ah, e claro, o mais legal: um dos diretores – Dante – estava na sessão. Sentou-se no fundo da sala para eventuais escapadelas… ao que parece o trabalho de edição foi extenuante e ele duvidava que conseguiria ver novamente o filme inteiro. Fiquei entre a Ju e Reinaldo. Ele foi professor de parte da turma que fez o filme e, não sei se é coisa da minha cabeça, parecia não esconder um certo contentamento destacando os inúmeros prêmios que os meninos já tinham ganhado e perguntando um par de vezes no meio do filme mesmo: “Está gostando?”.
Não dava para não estar…
A premissa não foge do clichê do gênero. Turma de jovens se instalam em casa amaldiçoada. O grande trunfo, no entanto, é partir desse ponto comum para contar uma história com cores e texturas genuinamente brasileiras. Mojica ficaria orgulhoso. No passado, um sádico criador de abelhas engravida sua escrava, mata o filho adulto dela e depois é morto pela mãe do bastardo. A alma do escravocrata é presa à do bebê, sacrificado em um ritual no porão da casa, deixando até os dias atuais a prova: um prego cravado no concreto do chão. Claro que os moleques mexem com o que não deve e o caldo entorna. O clima de tensão e terror criado por Dante e Rodrigo não parece ter precedente no cinema recente. Sabiamente fugiram do gore para investir no thriller. Até a Ju, que não se impressiona nada nada com as produções americanas – NEM MESMO COM O ATIVIDADE PARANORMAL COMO ALGUÉM NÃO FICA COM MEDO DAQUELAS ASSOMBRAÇÕES PELAMORDEDEUS? -, ficou sem respirar em vários pontos do Diabo.
A caracterização dos personagens é fantástica: compraria fácil fácil as action figures do Barão do Mel (ele usa uma roupa antiga de apicultor: ao invés da máscara de tela, tem em seu rosto uma espécie de cesta de treliça siniSHtra) e do Bento (o filho adulto morto, que também volta como um zumbi… não desses zumbis walkindeadianos… volta numa pegada vudú haitiano… convocado pelos seus descendentes para conter o Mal). Ixi… será que estou dando spoilers? Vou parar por aqui a parte da história. A interpretação de todos está ótima, canastreando quando tem que canastrear – pra mim, uma deliciosa homenagem aos slashers dos anos 80 – e carregando em realismo quando o bixo tá vino. O destaque fica com Pedro Caetano, um dos parentes de Bento. Em vários momentos, com ele em cena e arma em punho (ó o spoiler… Ó O SPOILER, ANDRÉ), a imagem se convertia em preto e branco na minha mente e via o frame como algo vindo de um filme perdido do Zé do Caixão ou George Romero. Algo em sua presença em tela… em sua bata branca. Não sei dizer.
Já que estamos falando nisso, a fotografia da produção é phoda (entreguei a idade, né? Não se fala mais fotografia hoje, né? É cinematografia, né? SUE ME). Alguns enquadramentos tirados das histórias em quadrinhos quase que reservavam espaços para balões ou recordatórios. A trilha sonora é outro ponto altíssimo. Perfeita para os momentos de tensão. Dissonante… mesclada a incômodos sons quase subliminares de abelhas e outros ruídos indizíveis, mas que seu subconsciente identifica como algo muito ruim.
Com o final do filme e acender das luzes, voltamos ao mundo real e o pulmão voltou a se encher de ar. Dante realmente já não estava na sala. Pensei que tinha concretizado a intenção inicial até voltar a encontrá-lo já na rua, fumando ao lado de Rodrigo e seus amigos. Reinaldo se uniu ao grupo. Os diretores ainda se mostravam inseguros com relação ao roteiro, mas receberam todos os elogios nossos. A história tinha sido muito bem contada. O cansaço acumulado da semana, uma certa timidez nossa e uma cachorrinha idosa que precisava dar mais uma volta na rua para o pipi noturno nos fizeram abandonar a discussão que acompanhávamos como orelhas.
Só no caminho de volta é que nos demos conta: Rodrigo era um dos atores principais de Nerd Of The Dead (Pô… cadê a segunda temporada?) e duas ressalvas com relação ao Diabo. Aqui você pode pular para não saber o final da história. Pulou? Acho que não, né? Afinal você ainda está lendo isso. Bom… TEJE avisado. Ao longo de todo o filme, exaltam a figura de uma personagem feminina poderosíssima chamada Rainha ou Maia. Poxa. Foi uma escorregão meio sério não tê-la usado (ou será que ela aparece em Diabo 2 se um dia sair?). Quando tudo foi pras cucuiA – o filme todo se passa em uma única noite – e a única sobrevivente escapa da casa carregando um novo filho amaldiçoado, poderia ser Malia a aparecer junto com o dia para eliminar o último vestígio do horror. Na minha cabeça, seria uma poderosa entidade azulada, um misto de algum orixá com um tenebroso elfo das sombras. Uma figura que exala ao mesmo tempo bondade e maldade. Uma Nossa Senhora dos perdidos. Uma Galadriel do inferno. Uma Lilith do paraíso. Outro ponto. Até entendo como dialoga com a história do nosso cinema de terror, mas não curti a referência ao diabo no título. Pode ter sido uma decisão comercial ou mesmo a tal homenagem ao passado. Taí uma pergunta a ser feita caso um dia encontrar os jovens (ainda não batem na casa dos 30!!!) e tão promissores diretores.
Ainda sobre promessas… pelo jeito já estão com um curta novo a circular. Loira do Banheiro. Olha só que demais.
Adorei a história! E quero muito ver o filme (embora acho que não precise, depois de tantos spoilers, André).
Alô, Carolina!!! (Será que é a Caroleta que eu conheço?) Enfim… vamos lá! Qual informação te pareceu spoiler… Alguns detalhes que comento no meio do texto, apesar de eu chamar de spoiler, nem o são… O Pedro aparece com a arma já no trailer, por exemplo. Agora no final eu avisei do spoiler, hein! – rs…
Oi, Andrezinho! É a Caroleta, sim! Foi brincadeira…não fiquei spoilezada, não. Fiquei foi com vontade de ver o filme, isso sim.
Beijos!