por Delminda Silveira*
Ele tinha os olhos garços; o olhar desses olhos falava… Ora meigo, de indizível e
sedutora ternura, ora lampejante, imperioso, irresistível no seu brilho
dominador.
Pálido como poeta, o seu coração seria o de um poeta também?… não possuiria
ele uma alma terna e sensível?…
Os cabelos lindos de um acastanhado leve, ondeavam graciosamente; o porte
elegante e distinto… era um mancebo encantador!…
Fraca e pálida como a flor abandonada, ele encontrou-a; definhada qual a folha
mimosa no arrefecer do Outono.
Ele examinou-a … Seus olhos belos, meigos e compassivos se quedaram fitos
nos olhos escuros dela; o que leria ele ali?…
Depois, sua formosa cabeça inclinou-se sobre o brando seio da doente;
auscultava-a … escutava-lhe o coração; — o que ouviria ele?…
Um suspiro débil, penso que fugia, — avezinha errante em busca do abrigo
onde repousar; — e a formosa cabeça comprimiu terna, suavemente o seio que
ficava por sobre o coração.
Ai! pobre coração! o que sentiste?…
Que sensação indefinível! que inexplicável anseio te fez assim tanto palpitar?
Foi bem a terna saudade, a doce recordação, talvez, de um passado desfeito o
que sentiste?
Ai! Pobre coração!…
A palma mimosa da sensitiva se retrai ao contato de mão; coração, coração!
porque te confrangeste assim? Oh! folha mimosa! porque te retraíste?…
A avezinha livre do deserto, por vezes tem sede; — ai! se avistar a cristalina
veia, quem a condenará porque vai sôfrega beber?
Se a gota de orvalho que o Céu mandou, tremulando fica na pétala desprendida
da magnólia branca, quem há de criminar a borboleta que pela tarde estiva e vai
sorver?
A cândida açucena tem doçura no seio; foi Deus que lha depositou ali; — que
mal há pois que o beija-flor sequioso procure o doce mel naquele seio
perfumado?
E se da luz criadora do sol benefício, acaso a violeta que na sombra pende,
sentir o almo calor e amoroso o acolheu no seio em que ele docemente
penetrou, se deve, porventura, censurar a misérrima que, de frio, se finava no
isolamento?
E Deus criminaria a inocente imbele para resistir e mui sensível para ser
ingrata?!
O orvalho do Céu caía gota a gota, em cada manhã, sobre a planta que
desfalecia; o sol aqueceu-a, cuidou-a o floricultor, e cada dia ela sentia o
extremo desvelo com que a trataria. Oh! revivessem, abrindo-se em flores bem
mimosas!… Que culpa tem as flores que se abrem agradecidas?
A flor encerra o gérmen, o perfume, a doçura; o coração encerra a vida, o amor,
a ternura; a flor desabotoa, entornando aroma se o sol a aqueceu; o coração é
como a flor: expande-se derramando a ternura se amor feriu…
Que culpa tem a flor? Que culpa tem o coração?…
Ai! pobre flor abandonada!
Ai! pobre coração!
.
*Delminda Silveira de Sousa (1854 – 1932) foi uma professora e escritora brasileira. Foi membro da Academia Catarinense de Letras (ACL). Foi a primeira mulher da ACL, titular da cadeira 10, a qual assumiu com 77 anos de idade.