por Juh Oliveira*
Antes de falar do filme, é preciso mencionar que sua narrativa é baseada na história do livro homônimo da autora Julie Murphy e que essa adaptação para original Netflix recebeu alguns feedbacks negativos por ter um enredo clichê e sem muito aprofundamento dos personagens na trama (problemáticas que são questionáveis), mas é uma obra que vem emocionando muitas pessoas de diferentes idades e por isso merece o nosso destaque aqui.
Como professora posso afirmar que é um filme bem interessante de ser abordado em sala de aula, junto a projetos que trabalhem valores de autoaceitação e amizade, autoestima e relações familiares. E durante o texto, colocarei alguns pontos importantes que você precisa reforçar e quais aspectos podem ser lapidados com mais atenção, para o melhor resultado do projeto.

TODAS precisamos de uma Tia Lucy!
Dumplin’ narra a história de Willowdean Opal Dickson (Danielle Macdonald) – uma criança feliz e criativa que passou a maior parte da infância e adolescência junto a amorosa tia Lucy (Hilliary Begley) encontrando nela uma grande incentivadora e apoiadora, alguém que construiu de maneira positiva a autoestima de Willow.
Sempre com frases e canções (e festas temáticas!) da diva Dolly Parton, a tia não a colocou numa redoma de vidro de superproteção quanto ao fato dela ser uma garota gorda. É ela quem apresenta à sobrinha outra personagem especial na trama: Ellen Dryver (Odeya Rush).
O desenvolvimento da amizade das duas, da infância a juventude, é embalado pelas canções country junto a citações icônicas de Dolly pelos lábios da tia, e o fato de serem garotas com estruturas corporais diferentes é um mero detalhe – as duas compartilham de muitos momentos de felicidade, e a tristeza do falecimento da tia Lucy junto a lembranças de sua memória.
Ficam roupas, acessórios, discos e pertences da familiar tão amada por Willow, no quarto agora vazio de alegria e presença, evidenciando o complicado relacionamento dela com sua mãe Rosie Dickson (Jennifer Aniston), cuja vida inteira gira (até hoje) em torno de um concurso de miss que ela venceu em 1991. A relação entre elas merece o nosso destaque aqui.

Peso e aparência – um drama familiar pra nós
Praticamente uma celebridade na pequena cidade, ela carrega com orgulho a vitória dos tempos de garota e ainda está profundamente envolvida com a organização do concurso Miss Teen Bluebonnet. Rosie se esforça para se manter no padrão de pessoa magra e impecavelmente composta de concursos de beleza e isso se reflete na relação com sua filha, que não está inserida nesse mundo e não se importa que seu peso e aparência façam parte de um padrão.
O apelido “dumplin’” (ou “fofinha” na tradução em português) vem do nome de um bolinho típico dos restaurantes japoneses. Agora imagine você sendo uma garota gorda no auge da adolescência, moradora de uma cidade pequena do interior e filha da miss mais famosa do lugar sendo chamada bem alto por esse apelido na frente de todo mundo da escola porque esqueceu seu celular no carro dela…
A relação mãe e filha é um dos fatores que emocionam e sensibilizam quem assiste o filme porque 0dá margem a muitas lembranças da nossa experiência de vida como pessoa gorda, e ao trabalhar esse filme em sala de aula peço atenção a quem não se sentir confortável com o assunto, destacando mais a relação e construção positivas que houve por meio da convivência com a tia Lucy e com o desenrolar da história, onde a mãe vai compreendendo algumas situações sob o ponto de vista da filha e as duas vão se entendendo.
Em uma entrevista com a autora do livro Julie Murphy, houve o questionamento sobre a relação mãe e filha e a autoaceitação do corpo gordo, e a resposta foi: “Para muitos de nós, eu penso que nossas mães são as primeiras pessoas que nos ensinam a odiar nossos corpos. Isso acontece porque elas também são ensinadas a odiar os próprios corpos. Sempre tem maneiras de falar com seus filhos sobre comida e exercícios sem centralizar a conversa na perda de peso. Eu acho que é fácil dizer a nós mesmos que mudanças como essa vão demorar gerações para acontecer. Mas, em vez disso, poderíamos fazer a mudança agora mesmo e quebrar os ciclos de ódio ao corpo de uma vez por todas. Por que você não começa isso? E que tal começar agora?”
Diferente do clichê “preciso emagrecer pra entrar no concurso”, quando Willowdean descobre que sua falecida e confiante tia sonhava em fazer parte do concurso mas nunca se inscreveu por medo da reação alheia, decide se inscrever E concorrer no concurso de miss como uma forma de protesto ao excludente padrão de beleza de nossa sociedade. No dia da inscrição encontra três outras garotas dispostas a questionar o mesmo – vamos falar sobre o time do protesto de salto alto?
DREAM TEAM do concurso de Miss!

Além de Willowdean e sua amiga Ellen, que também se inscreve, aparecem outras duas garotas que formam esse time: Hannah (Bex Taylor-Klaus), que se veste inteiramente de preto com um estilo considerado mais masculino e justifica sua presença ali como “uma revolta contra a opressão hétero-patriarcal inconscientemente internalizada pela mente feminina” e uma colega de escola de Willow da qual precisamos falar sobre.
Millie (Maddie Baillio) é uma garota extremamente doce que também sofre com comentários alheios sobre seu peso e que sonha em participar do concurso desde criança, vendo na inscrição da colega que também é gorda uma oportunidade de realizar esse sonho.
Em algumas cenas ela é aquela personagem que tenta se encaixar mas que infelizmente é o motivo da piada, ou aquela que não está dentro dos padrões para fazer parte da galera. É a boazinha, agradecida por tudo, que acaba sendo a gorda clichê dos filmes adolescentes, personagem assexuada que encontra no grupo de amigas a fortaleza para seus dilemas.
As garotas acabam se tornando um grupo que avança nas fases de preparação para o concurso, ensaiando coreografias e escolhendo números a serem apresentados no show de talentos com uma ajuda MUITO especial. três delas visitam uma casa de shows que Tia Lucy frequentava, onde drag queens performam Dolly Parton e empolgam a todas com suas músicas e apresentações. Mas porque não foram as quatro?
O Concurso Miss Teen Bluebonnet
No início da preparação para o concurso, acontece um desentendimento entre Willowdean e sua melhor amiga Ellen, e numa das etapas das apresentações as duas tem a oportunidade de compreenderem que a amizade é verdadeira e que as experiências vividas por elas são insubstituíveis, memoráveis e significativas. Uma cena muito singela e emocionante!
O apoio e carinho que as drags dedicam a personagem principal e no decorrer das fases de preparação às outras duas garotas do grupo (Hannah e Millie) é um ponto muito precioso nesse filme, que muitas de nós nos identificamos – com as pessoas que nos incentivaram a vermos nosso próprio brilho e valor, nos fizeram ver o quão lindas e poderosas nós somos, independente da nossa aparência e peso.
A transformação para o grande dia não faz com que elas virem outras pessoas – a gorda que emagrece, o cabelo cacheado que alisam, as roupas de todas serem mega femininas já que é um concurso de beleza, etc. – as garotas continuam com seus estilos, corpos e características que são somente abrilhantados ao longo do processo do concurso com os figurinos, passos de dança e performances glamurosos. Willowdean sabe que não se encaixa em certos contextos, reservados à pessoas magras, mas não está se importando com isso em sua apresentação, bem como Millie e Hannah.
Pessoas gordas amam e são amadas! Mas o amor próprio é a chave pra aceitar isso
Willow é uma garota que dirige seu carro, vai à escola, trabalha em uma lanchonete como garçonete e tem suas amigas, como toda jovem, e seu crush é seu colega de trabalho Bo (Luke Benward). Ele lhe dá um presente, a convida pra um encontro e acontece um beijo entre os dois. A cena romântica é interrompida quando ele coloca a mão na cintura dela, que hesita e se afasta, sentindo-se insegura com o julgamento externo (por ele ser um garoto com boa aparência e corpo dentro do padrão, popular e que estuda em colégio particular). É um momento que nos identificamos e nos emocionamos, e que merece outro tópico de discussão especial quando apresentado no ambiente escolar ou em rodas de conversa sobre o tema.
Não há nada de errado com o nosso corpo, até nos olharmos com o olhar do outro e nos oprimirmos. Quando nos comparamos com outros corpos dentro do padrão e pensamos em como somos olhadas por outras pessoas, mesmo a segurança de si que temos por vivermos uma vida normalmente cai, por não estarmos no corpo padrão que a sociedade exige. Apesar de ter desenvolvido uma boa relação com seu corpo, Willowdean nessa hora hesita e foge pra casa, onde desaba de chorar (e muitas de nós também).

No desenrolar da história ela inclusive o questiona: porque gosta dela se não dariam certo no mundo real? E recebe como resposta de Bo: eu acho você linda, e dane-se todos aqueles que fizeram você pensar que não é. A cena rende mais lágrimas nossas, porque percebemos que temos todo o direito de sermos amadas e de amar, mas que o maior impedimento para que isso acontece em muitas vezes somos nós mesmas, que precisamos amar nossos corpos e não odiá-los – exercitar-se, alimentar-se de maneira saudável, criar melhores hábitos não para emagrecer ou para que alguém “nos aceite” mas porque nos amamos e queremos viver mais e melhor.
Precisamos ultrapassar os limites estabelecidos pela sociedade e principalmente por nós mesmas! Chegar com o pé na porta e tudo mais! Muitas pessoas querem dizer quem você é, mas é VOCÊ quem decide!
Perceber que a ex-miss tão preocupada com os padrões é uma pessoa comum que só teve essa oportunidade de brilhar porque a irmã que não era magra a auxiliou com os mínimos detalhes desistindo inclusive da própria participação trouxe maior proximidade entre mãe e filha, que agora como participante e jurada compartilham do orgulho de ter uma familiar tão maravilhosa como Lucy, garantem cenas de emoção e leveza, que podemos imaginar como parte da narrativa de nossa vida.
É muito importante ressaltar alguns pontos aqui no final, mesmo que sem uma análise mais aprofundada: Beckah não é mean girl (garotas malvadas, lembra?), Ellen não cria um interesse súbito no concurso de beleza só porque teria chance de vencer, Hannah não ganha makeover pra performar feminilidade, Millie não é punida por se amar como é, Bo se interessa pela Willowdean e só porque ela não corresponde ele não vai imediatamente atrás de alguma menina padrão pra fazer ciúmes nela, apesar de valorizar o padrão a mãe não tem vergonha da Willowdean e apresenta ela como sua filha normalmente.
Ao final da trama, voltamos a casa de shows com as personagens principais cantando e dançando, felizes e realizadas assistindo a apresentação das drags Dolly Parton plenas, lindas e maravilhosas, honrando a memória da tia e celebrando sua existência e influência na vida de todas elas!
Se você puder ser uma influenciadora do body positive como a Tia Lucy na vida de outras meninas e garotas, DESCUBRA QUEM VOCÊ É E SEJA DE PROPÓSITO, como diz a diva Dolly. Incentive a autoaceitação, o amor pelo corpo como ele é e suas características, para que mais garotas e garotos possam ser felizes e realizados em suas vidas e sonhos! E conte conosco pra isso!
#FicaaDica de outros programas que tratam desse assunto de maneira espetacular: o documentário Embrace, o filme PEQUENA MISS SUNSHINE e a série MY MAD FAT DIARY ❤ E aproveita pra indicar outros e SIMBORA FAZER DESSE MUNDO UM LUGAR MELHOR PRAS MINAS GORDAS!
.
*Juliana de Oliveira (@ilujauosue) é formada em História pela UNISA e em Ciências Sociais pela UNIMES, e cursos de extensão em Ciências Humanas pelo IICS e de Quadrinhos em Sala de Aula pela Fundação Demócrito Rocha. Atua como professora há 10 anos, trabalhando na rede municipal de São Paulo. É produtora de conteúdo de cultura pop, geek e nerd para sites do nicho e também apresenta o programa Live Pop Geeks na Rádio Geek às terças-feiras 20h.