Republicamos esta entrevista, que é de 2017, mas traz ainda pontos importantes sobre a produção cultural e literária fora dos principais centros brasileiros. Desde que este texto foi publicado, surgiu a Feira E-cêntrica entre outras muitas iniciativas que tem a Nega Lilu como epicentro.
A produção literária de Goiás tem Cora Coralina, mas tem muito mais. E é mais uma vez na cena independente desse estado que vemos algo novo surgindo. Quem gosta de rock, já conhece as experiências independentes de Goiânia, que foram as mais bem sucedida entre os independentes, não sei se financeiramente, mas a Monstro Discos, o Goiânia Noise e o Bananada estão aí firmes há mais de uma década. Mas aqui vamos falar um pouquinho da nanoeditoda Nega Lilu, que traz um frescor à literatura brasileira, com livros interativos, como faz rs, com livro-zine com linguagem de internet em contos deliciosos, como o Prepiscianas (falei um pouco dessa publicação neste post do Delirium Nerd).
O trabalho da Nega Lilu Editora vai além das publicações em papel, tem o blog colaborativo (tem texto meu lá) e tem os eventos, como a OFFFlipiri. Conversei com a Larissa Mundim e ela nos conta mais sobre esse trabalho que recomendo fortemente.

Como surgiu a Nega Lilu Editora?
A Nega Lilu Editora foi criada em setembro de 2013 para a publicação de meu primeiro romance de ficção, Sem Palavras, escrito com coautoria de Valentina Prado. Na época, não achei em Goiânia uma editora que pudesse representar o livro, com o arrojo que ele demandava. Como eu já tinha experiência como microempresária no ramo da Comunicação, resolvi encarar este desafio de aprender a fazer livro, por amor e dedicação à obra. Na minha cabeça, além de um lindo objeto, ele precisava ter condições de circular de maneira não convencional. Porque muito já havia sido feito em torno dele, Nega e Lilu já eram esperadas pelo público leitor, graças ao trabalho bem-sucedido do Coletivo Esfinge, um grupo formado por mais de 100 pessoas, comentando, transformando e difundindo o livro, em todo o mundo, originando novos produtos artísticos nas artes visuais, artes cênicas, literatura, audiovisual, design e comunicação. Tudo inspirado em Sem Palavras, antes que ele viesse a público.
E quem é a Nega Lilu?
Nega Lilu não é uma pessoa, é mais uma atitude, uma postura. Começou como um blog, um espaço para minhas experiências literárias, que ainda existe como laboratório de experimentação coletiva. Existiu também uma Nega Lilu Cia de Dança, que teve Valeska Gonçalves como coreógrafa, e a própria editora. Na origem, Nega Lilu é a fusão do nome das protagonistas de Sem Palavras, uma citação à Machado de Assis, em Dom Casmurro, no episódio em que Bentinho flagra Capitu escrevendo no muro o nome dos dois: “Bento Capitolina”. Um marco na literatura brasileira, que conheci na juventude e que foi emocionante de ler, não me esquecerei.

Como você vê a produção atual de literatura e afins em Goiás e no Centro-Oeste? O que tem sido feito por essas bandas?
Vejo que os saraus vêm estimulando produção poética, entre os jovens, e que os clubes de leitura têm agregado, sobretudo, mulheres em torno da literatura. Existe maior oferta de formação, as feiras e festivais também têm ocupado com mais frequência a pauta cultural. Mantenho mais contato com os trabalhos em Goiás e no Distrito Federal, menos no Mato Grosso e no Mato Grosso do Sul. Mas sei que existe muita gente produzindo, com qualidade, em todo lugar. No Brasil Central não seria diferente.
O desafio é circular a produção gráfica e literária, combatendo a histórica invisibilidade das regiões Centro-Oeste, Norte e Nordeste. O acesso ao público é o desafio para quem produz fora do eixo Sudeste-Sul. Para tentar amenizar este problema, por meio da Casa da Cultura Digital, coordeno um projeto chamado e-cêntrica, que será lançado em outubro de 2017. Trata-se de uma iniciativa que busca traçar estratégias alternativas de circulação da produção gráfica e literária, articulando autores e autoras independentes, coletivos criativos e nanoeditora.
A Nega Lilu, além de editora, produz eventos, como feiras de publicações, está na internet com um blog de experiência literária coletiva. Quais projetos têm sido realizados por vocês?
Costumo dizer que a Nega Lilu Editora não se contenta em atuar no meio da cadeia produtiva. Qualificar nossos processos produtivos é uma missão constante, mas transitamos de ponta a ponta no território livreiro. Numa extremidade, apoiamos ações de estímulo à leitura e formação de leitores, também nos dedicamos à qualificação de novos autores. Na outra extremidade, pensamos estratégias alternativas de circulação da produção independente. Porque discordamos com o funcionamento do sistema instalado no século 19 que vem desvirtuando o papel das livrarias, que empoderou as distribuidoras de maneira nociva, que pasteurizou a produção das editoras e remunera mal autores e autoras.
Por que realizar uma OFF Flipiri?
Com o desejo de fortalecer o espírito de autopublicação, a Nega Lilu Editora e o Hostel 7 propuseram à Prefeitura de Pirenópolis e à coordenação da Festa Literária de Pirenópolis (Flipiri) a realização de uma oficina de zine, com estudantes da rede pública. A ideia era lançar a publicação na Flipiri. Nossa proposta foi muito bem aceita, a relevância de trabalhos inclusivos assim foi reconhecida, mas a programação já estava muito fechada, sem espaço. Resolvemos então bancar a iniciativa, estimulando a cena alternativa, em programação paralela que foi crescendo de maneira muito espontânea. Acredito que havia uma demanda reprimida de participação, porque a OFF Flipiri foi um sucesso, foi muito vibrante, superou nossas expectativas. Escritoras e artistas ligados à Nega Lilu Editora, em Goiás e Brasília, se jogaram no projeto. Quando buscamos pares em Pirenópolis, descobrimos que a produção local também é surpreendente. O mix de produtos e expositores da feira e-cêntrica da OFF Flipiri não deixou dúvidas. Queremos continuar o trabalho de ocupação de espaços diversos da cidade, numa OFF Flipiri ampliada, e reunir a programação paralela numa amálgama que compreende esta cadeia produtiva de um jeito mais autônomo, menos comprometido com estruturas seculares que pedem atualização urgente.

Que tipos de publicações fazem parte da editora? São vários selos, poderia falar sobre eles?
Prioritariamente, a Nega Lilu Editora publica literatura contemporânea. Os selos existem porque existe um desejo meu de organizar as coisas em seus lugares para que possamos nos enxergar na construção de um catálogo coerente, criterioso também. Então temos o selo Tuci (infantojuvenil), Pantheon (poesia), Naduk (novos autores e experimentações gráficas mais arrojadas), Eclea (memória e biografia), Ç3 (e-books, audiolivros e similares) e a Nega Lilu para projetos especiais. Todos estes selos já têm catálogo aberto. Ainda não lançamos o selo Canela-de-ema (arte, fotografia, design e arquitetura) e o Semibreve, para livros de bolso, que é um projeto para o futuro com o objetivo de democratizar acesso à leitura.
O que podemos esperar da Nega Lilu em breve?
Temos cinco projetos editoriais em curso, com previsão de lançamento entre novembro de 2017 e março de 2018. Em outubro circula o número zero da revista eletrônica malunga, que coordeno junto com o escritor e pesquisador Wigvan Pereira. A malunga é o primeiro produto do mapeamento que vem sendo realizado pela e-cêntrica e conta com a participação de autores e autoras de todas as regiões brasileiras. Também vamos realizar a feira e-cêntrica ampliada, em fevereiro, em Goiânia. Este será um passo importante para a articulação nacional em curso. Outras pautas estão no horizonte, ainda nubladas. Elas virão em seu tempo. Precisamos de fôlego e motivação para continuar avançando.
Onde encontrar:
site: http://www.negalilu.com.br/
facebook: https://www.facebook.com/negalilueditora/
blog: https://negalilu.blogspot.com.br/
(publicado originalmente no site MinasNerds em 2017)