por Laluña Machado*
Em maio de 2020, foi anunciado o novo Batman do cinema. Um dos personagens mais simbólicos da cultura pop, quem sabe o maior, será interpretado pelo ator Robert Pattinson numa trilogia que pretende resgatar o caráter detetivesco das primeiras histórias do Homem Morcego na Detective Comics. Porém, toda essa “nova” fase do mascarado no cinema é consequência de uma negativa recepção aos filmes que foram representados por Ben Affleck como Batman e pela direção de Zack Snyder. Além disso, o fandom também não recebeu Pattinson muito bem, tomando como verdade e trabalho absoluto a franquia Crepúsculo (eu sei que a franquia não é boa, mas qualificar um ator somente por um trabalho é extremamente raso e pueril).
Só que com o anúncio de mais filmes do Batman e com mais de um ator distinto, entra no debate as diversas formas com que o Cruzado de Gotham pode se adequar sem perder algumas características concretas que ganharam sua legitimação nos quadrinhos. Mesmo que com um tom “diferente” das produções anteriores no cinema, o Batman continua fazendo o que ele foi feito para fazer: vender. E vende mesmo, quando não é com produtos rigorosamente relacionados aos quadrinhos, é com material escolar, cuecas, roupas de cachorro, de carnaval, tábua de cortar carne, brinquedos sexuais… a representação imagética do Batman é sólida e isso gera lucro. Essa solidez se deve às diversas mídias em que o personagem se materializa além dos produtos, isso tem um impacto no setor especializado e respinga no que for correlacionado a diegese do Universo DC.
Enquanto nerds médios se colocam como gladiadores para defender suas projeções no personagem que transformou seu trauma em “justiça”, o Batman esteve no cinema com o filme Uma Aventura Lego 2, uma bela representação de como o Morcegão pode funcionar em várias vertentes narrativas. A Ideia Batman nessa produção foi muito bem aproveitada, ainda mais se tratando de um roteiro que seria muito bom sem a presença do Cruzado Mascarado, mas que com a permanência dele a história acaba ganhando alguns fatores relevantes. Ou seja, legitimando que o mesmo foi colocado de uma forma infinitamente mutável e híbrida, que flutua no imaginário coletivo em configurações extremamente distintas umas das outras, mas que sempre é reconhecido como Batman. Essa proliferação da diversidade faz com que pessoas de diferentes estirpes mantenham-se próximas ao Homem Morcego sem nunca ter lido sequer uma linha de seus quadrinhos, a Ideia Batman lhe é extremamente familiar.
Além de mais uma presença do Batman na franquia dos filmes Lego (lembrando que ele já teve seu filme solo pela mesma franquia em 2017), também foi lançado um crossover do Vigilante de Gotham com as Tartarugas Ninjas. Esse tipo de produção, que leva toda uma simbologia do Batman relacionada a outros personagens não é mais novidade. Além do mais, com essas ações, não só Cruzado Encapuzado em si, se mantém eficiente no inconsciente coletivo, mas também todo o seu universo ficcional se mantém fresco e percebido de forma orgânica em diferentes vertentes de consumo. Gotham City, galeria de vilões e até personagens secundários são facilmente reconhecidos, fazendo um paralelo com teorias de construção e imaginário cultural (o Batman de Adam West se consagra com essas características).
Em contrapartida, mas que também pode ser tratado como complemento, o Personagem Batman apresentará pouquíssimas mudanças no que pode ser considerado cânone. Pontos que serão imutáveis como a sua jornada do herói, seus traumas, suas vestimentas, seus aparatos de combate que também são ferramentas de qualificação do personagem. Além disso, seus arquétipos de identificação também são minimamente mutáveis como silhueta, cenários, padrões de luz /sombra em suas composições e constância narrativa. O Personagem Batman será encontrado facilmente em produções da nona arte, mesmo que nesses 80 anos de história o Paladino de Gotham tenha sofrido algumas mudanças compulsórias (principalmente nas décadas de 1950 e 1960), ou mudanças editoriais.
Contudo, um dos autores que consegue fazer funcionar a Ideia e o Personagem Batman na mesma produção é o roteirista inglês Grant Morrison. Em 2006, o escritor iniciou seus trabalhos com título Batman e Filho (Batman #655) que se estendeu até Batman Descanse em Paz (Batman #683), em paralelo com Crise Final. No primeiro arco da produção, Morrison elencou que até então todas as dimensões do gothamita teriam validação cronológica, mesmo que houvesse contradições ou ausências de lógica interna. Ou seja, para o inglês, todos os Batmans existiram sim e têm completa relevância, todas as suas formas e demarcações fazem parte de uma só constante. O Batman de Morrison ainda é uma figura singular no Universo DC que não perde suas principais características, mas também viveu histórias bizarras e parcerias improváveis, compondo uma espécie de miscelânea narrativa.
A Ideia e o Personagem podem caminhar juntos numa mesma explanação, de forma concomitante. E isso gera um impacto considerável nos vieses culturais, porque toda a simbologia do Batman acaba alcançando várias pessoas por vários braços midiáticos ao mesmo tempo. Um fenômeno que poucas figuras conseguem estabelecer, o que no Brasil pode ser comparado com a Turma da Mônica (que também fez um crossover com o Batman).
O que vale mencionar é que o consumidor/fã/leitor pode viver bem, tanto com a Ideia, quanto com o Personagem, quando começa a entender alguns pontos, principalmente que um conceito não vai isentar e nem eliminar o outro, pelo contrário, eles se complementam em diversas histórias. Um dos eventos mais recentes é a minissérie Batman O Cavaleiro Branco, uma história com formato de narrativa gráfica, mas que traz inúmeras referências de outras produções, principalmente dos filmes de Tim Burton e da trilogia O Cavaleiro das Trevas, do diretor Christopher Nolan, além de algumas alusões ao Batman Animated Series.
Estão presentes diversos Batmans em um só sem perder as bases de caracterização e isso acaba funcionando de forma somática. A questão é que tem opções boas e ruins que fazem parte de uma esfera cultural, mas o que há de se considerar verdadeiramente é que HÁ opções, independentes de quais sejam e que as mesmas estarão por aí por mais 80 anos (e com acréscimo de outras formas de comunicações futuras).
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*Laluña Machado é graduada em História pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB, foi uma das fundadoras do Grupo de Estudos e Pesquisas “HQuê?” – UESB no qual também foi coordenadora entre os anos de 2014 e 2018. Do mesmo modo, exerceu a função de colaboradora no Lehc (Laboratório de Estudos em História Cultural – UESB) e Labtece (Laboratório Transdisciplinar de Estudos em Complexidade – UESB). Foi colaboradora do site Minas Nerds e atualmente é membro do Observatório de Histórias em Quadrinhos da ECA/USP, colaboradora na Gibiteca de Santos. Sua pesquisa acadêmica tem como foco a primeira produção do Batman para o cinema na cinessérie de 1943, considerando as representações da Segunda Guerra Mundial no discurso e na caracterização simbólica do Homem Morcego. Paralelamente, também pesquisa tudo que possa determinar a formação do personagem em diversas mídias, assim como, sua história e a importância do mesmo para os adventos da cultura nerd. Contato: lalunagusmao@hotmail.com