Amor-eu e amor-nós

por Roberta AR

“Eu queria conhecer o amor, mas estava com medo de me entregar e confiar em outra pessoa. Tinha medo de intimidade. Ao escolher homens que não estavam interessados em ser amorosos, eu era capaz de praticar o ato de dar amor, mas sempre num contexto insatisfatório. Naturalmente minha necessidade de receber amor não era saciada. Recebia o que estava acostumada em receber – carinho e afeição, geralmente misturados com algum grau de grosseria, negligência e, em algumas ocasiões, franca crueldade.”

bell hooks, em Tudo sobre o amor

Eu recebi uma mensagem de “amor”. Não era sobre mim, mesmo sendo para mim. Era sobre estar sofrendo por estar longe dessa eu que não sou EU, a pessoa que vive, respira, come, caga, dorme e sente, sofre e regozija. Era sobre essa eu-outra, eu-musa, completamente imaginária. E ele, homem, dizia estar triste (na chuva) e saudoso porque eu-tela-de-projeção-da-musa me recuso agora a não ser EU para ser essa outra de quem ele sente saudade.

Não consigo mais não ser EU para viver amores que não são sobre mim comigo. Que falam sobre a maravilhosidade de estar comigo para outros, muitas vezes em música, poesia, quadrinho, romances, mas querem que eu-EU seja essa eu-outra, eu-musa. Que sequer pergunta se eu-EU estou bem, e não estou mesmo completamente bem, quem ME ama sabe.

Ser musa é essa prisão, ser esta que não consegue ser protagonista nem da própria inspiração divina que gera. Que é acessório para consolar dores que não gerou e segue doendo solidão profunda na espera de que o que se diz sobre ela-outra se torne material para ela-ELA. Já fui um compêndio de cachos alguma coisa, já fui abreviada (erre é legal porque vira verbo também), fui a ranheta no quadrinho, já fui a lembrança do escritor atormentado. Fui mais coisas que não lembro, mas amada, não.

Amor eu-com-outro-comigo, esse eu conheci nos colos de vó, de adultos que me acolheram e me cuidaram quando o amor primeiro, aquele de quando a gente vem ao mundo, falhou. E amigos, queridos, irmãs e irmãos que encontrei pelos caminhos muitos que são o que me sustenta em tantos momentos. Amor de me ver no olho do outro como nem eu consigo me ver e gostar daquela imagem como nunca gostei, esse experimento agora. O amor não é o que eu sinto, mas o que eu experimento junto, o amor é primeira pessoa, só que do plural, porque sem ser junto é apenas fantasia romântica meritocrática, egóica e sempre com fome. Amor é alimento coletivo.

“Eu só não posso mais me ver assim
Cada vez mais distante de mim
Eu não quero mais, pouco
Quero voar
Eu perdi o medo da chuva
Pra poder reencontrar
A metade dessa vida
Que não me deixaram usar”
Liniker, em Antes de Tudo

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