Uma segunda chance com Joy de fundo

por Roberta AR

“When routine bites hard and ambitions are low
And resentment rides high, but emotions won’t grow
And we’re changing our ways, taking different roads
Then love, love will tear us apart again
Love, love will tear us apart again”
Joy Division
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Quando estava perto de completar os cinquenta anos que tenho hoje, me separei novamente e entrei naquele processo de pensar nos fins todos desse meio século. Num desses rolês de algoritmo de redes sociais, aparece uma pessoa que não tinha notícias há mais de vinte anos. Um amigo de quem tinha me afastado, sobraram apenas algumas lembranças materiais e uma sensação de São Paulo nos meus últimos anos como moradora da cidade.

Eu estava na faculdade de jornalismo e ele na de artes, nos conhecemos por conta das meninas da república onde eu morava. Ele me chamou para ser sua modelo de um retrato pintado a óleo e passamos a nos encontrar semanalmente, pelo que me lembro. Conversávamos sobre movimentos populares, ele e eu temos origem periférica e militante de base, e tinha também o punk em comum, além da literatura, e tinha Joy Division, que ele coreografou em algum momento numa de suas performances, e que foi minha trilha sonora pela juventude toda. What means to you, what means to me and we will meet again2.

Decidi entrar em contato, depois de muito hesitar. Eu lembrava vagamente que eu que decidi me afastar por algum mal estar e nada mais. Parecia tudo irrelevante diante daquele acaso e mandei mensagem mesmo sabendo que poderia ter uma resposta ríspida. A resposta veio gentil, mas a conversa foi escalando nervosamente para um rancor de um amor não correspondido por mim e que não tinha sido me declarado até então e, como num conto de Caio Fernando Abreu, que nós dois líamos muito naqueles tempos remotos, coisas lindas e horríveis começaram a ser ditas por duas pessoas que passaram por muito nessa vida. Heart and soul, one will burn3.

Pausa. I put my trust in you4. Romance apareceu. Ele continua em São Paulo, eu, em Brasília. Ele curador, trabalhador da cultura, eu, num hiato de escrita e mãe em tempo integral. Tudo parece em movimento e eu decidi ir no fluxo para um novo capítulo puxando fios soltos do passado, entre mensagens de bom dia, boa noite, conversas sobre punk rock, cinema, Dylan Dog, cena contemporânea das artes e outras coisas que fluem facilmente quando estamos dispostos, ainda por cima apaixonados. Dance, dance, dance, dance, dance to the radio5.

Tinha aquilo do qual eu não lembrava, lembra? Por que raios me afastei? Apareceu novamente o pequeno desprezinho de todo dia com minhas coisas, com o que eu penso, com as minhas dores. Foi bem pouco tempo para ele se sentir seguro em me silenciar quando dizia algo importante. She’s lost control again6. “Ou me respeita ou me deixa”. Me deixou. Doeu de novo. Muito. Mas, dessa vez, as lembranças do passado se foram junto, nenhuma ternura restou na memória, que me pregou essa peça seletiva de um belo encontro e de uma saudade de algo que não era real.  

“Walk in silence,
Don’t turn away, in silence.
Your confusion,
My illusion,
Worn like a mask of self-hate,
Confronts and then dies.”
7

  1. Joy Division, Love You Tear Us Apart. Unknow Pleasures, 1979 ↩︎
  2. Joy Division, Disorder. Unknow Pleasures, 1979 ↩︎
  3. Joy Division, Heart and Soul. Closer, 1980 ↩︎
  4. Joy Division, A Mens to an End. Closer, 1980 ↩︎
  5. Joy Division, Transmission. Unknow Pleasures, 1979 ↩︎
  6. Joy Division, She Lost Control. Unknow Pleasures, 1979 ↩︎
  7. Joy Division, Atmosphere. Closer, 1980 ↩︎