Cabelo no ralo

por Roberta AR

O ralo do chuveiro estava cheio de cabelos vermelhos da visita que ele recebeu no fim de semana. Ela tomou seu banho mesmo assim, era tudo o que precisava depois de chegar de viagem.

Em pouco tempo ele não morará mais ali e aquilo que antes nunca incomodou a deixou profundamente irritada. “Você vai limpar esse ralo”, gritou. Ele perguntou se era com a mão que se fazia.

Ela pensa agora que estava anestesiada já fazia muito tempo, que era todo dia uma coisinha diferente que a entristecia. Com o tempo parou de resmungar e começou a se afastar e se isolar, porque ser chata era uma das coisas que a deixava triste.

Mas aqueles cabelos apareceram depois, quando ela decidiu que não ia mais afundar naquele universo de melancolia. Aqueles cabelos falavam de noites de cocaína invocando a morte. De conversas amargas sobre um mundo cruel e sem sentido. De dores cotidianas mascaradas com muito álcool e amigos bons para a autodestruição. Uma adolescência eterna, um inferno sem fim.

Para ela o fim chegou. E para aquele cabelo no ralo também.

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Texto originalmente publicado no zine Cabelos – Volume II, em 2015

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