No banheiro do necrotério II

por Fernando “Rá” Vasconcelos*

Tinha que ser num lugar marcante, mesmo que funesto, o que valia era a claridade que refletia no papel metálico, e também nos branquileijos que davam um aspecto bastante claro ao local, e duas almas bastante limpas resplandecendo da alegria de se dar no eterno sempre agora mesmo. Nem que seja um naco da fruta, deve-se oferecer ao faminto para que depois não venha a própria fome lhe cobrar o naco negado. Assim como a água, não se deve negar calor. Não que se saia por aí como um cano de fonte dando água a quem tem sede e calor a quem tem frio, mas que pelo menos não torne-se gelo, não fale sobre ou desvie o sedento para outras fontes.

O canino claro era o monstro, que parecia um tanto desnorteado, ele ainda teimava em se aventurar. Porém se não houverem momentos em que os monstros se apoderem da coisa humana, a coisa humana fica essa negação moral, clerical, modal, fetal, mortal. Tais, totais e fatais, devem-se evitar também, porém “Castanhas do Pará” às 3 horas, aconselho. Aproveitar para sentir bem o gosto, mesmo que logo mais fique só o gosto da boca tão sugada, aí você começará a procurar outras fontes de mel, naquela angústia do tempo, do tempo tão pouco da safra, e acha na raiz o pote de mel. Descobri que após o mel, logo depois das entranhas, pode vir a omissão do mel doado. Tenho a impressão de já ter vivido isso antes. Déjà vu? Não, não, esse fruto do Litoral Norte não fazia parte das outras também tão saborosas dantes sorvidas.

Tenho medo da omissão, que nem sempre é um pecado, porém é sempre uma omissão. Sou mais adepto da mentira mesmo, uma vez que essa depende de quem foi receptor, a outra, como um silêncio, é o prólogo da mentira verdadeira. Quero saber de tudo, de onde vem para onde vai? Onde nasceu? Se o solo era fértil ou árido? Se foi difícil enfrentar a seca do semi-árido das terras anteriores? Se aridez se parece com umidade, de que vale a diferença? Portanto o fruto do Pará, que nem de lá é, mas de cá mesmo, depois de algum tempo começou a me trazer as apreensões da dúvida, do desespero, da solidão. E eu que pensava que aquela maturidade da casca também penetrava o íntimo do ser.

Sou um admirador de fruto bem maduro, onde desde o pericarpo mergulha-se num dulcíssimo carpo carnudo e delicioso. E mesmo que a omissão da casca adquirida, com a vivência, te devolva o silêncio de outrora, deves procurar o meio, o caroço, a verdade, a certeza. Detesto a vulnerabilidade do terreno movediço, e amo a dureza do solo batido, nesse pelo menos o fruto imaturo caído das alturas do céu, tem uma certeza de que do chão ele não passa. E no outro, não tarda e invariavelmente afundará.

– Hum! “Castanhas do Pará” às 3 horas da manhã, são deliciosas! – pensei cá comigo.

Saí dali tranqüilo na certeza de que o único ser que viu aquele sonho delicioso foi a curiosidade, que claro saiu correndo cheia de imaginação na cabeça e a barriga roncando de nunca ter tido coragem de comer aquelas castanhas deliciosas no banheiro mais próximo.

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* Fernando “Rá” Vasconcelos é paraibano, médico, pirado, sem noção, que ainda vai morrer do coração. Mora em Recife.