por André Rafaini Lopes
Ao meu lado, a afilhada pálida de uma amiga. Não é difícil perceber que algo não vai bem com ela. Como se não bastasse o sangue coagulado na roupa, de sua barriguinha sai a ponta de uma broca que perfura a pele fina. “Engoliu uma furadeira”, me explicam. A menina, todavia, caminha, acompanhando a marcha manca e capenga de um exército. Bom a denominação não é tão pertinente, pois de um exército se exige uma certa ordem e hierarquia. Os únicos pontos consensuais do grupo eram a direção da marcha, o apetite por carne viva, gemidos e ocasionais grunhidos: “Miooooooooooooolos”.
Imagino qual não seria a reação das pessoas que ainda não tinham sido mordidas por um zumbi e viam o desfile em plena Avenida Paulista. Ah, sim… faltou dizer que aquelas centenas de pessoas eram mortas-vivas. Todas com sua causa mortis um tanto aparentes. Ossos fraturados, olhos pendurados por fiapos de carne, membros enrijecidos, pescoços degolados, pulsos cortados, peitos arrombados. Elvis estava lá, bem como Cristo, Jason, Freddy Krueger e o Ash, que na verdade chegou um tanto atrasado e teve de correr atrás do grupo. Vejam aqui
e aqui
Assim foi a segunda Zombie Walk, que aconteceu no último Dia de Finados, na Avenida Paulista, reunindo zumbis, recém-infectados e simpatizantes. Só vendo. Quem acompanha o Facada deve lembrar uma resenha de 18/11/05, em que contava minha descoberta desse filão do terror. Três anos depois, virei fã.
No mais, a parada dos zumbis me acendeu outra luzinha. Sou meio afeito a um certo otimismo deslavado, então eu vi a luz: enquanto tiver gente disposta a se fantasiar de morto e parar uma faixa da Paulista na paz, o mundo estará salvo. Conclusão a que chegou – por outras vias, frisa-se – Marcelo Coelho, colunista da Folha de S.Paulo e ex-professor de dois colaboradores do Facada, ao comentar os nomes inventivos com os quais a Polícia Federal (PF) batiza suas operações:
Nada seria mais chato do que um código alfanumérico qualquer para identificar as operações da PF. No fundo, o que há de bom nesses nomes tão arbitrários e subjetivos é a rejeição, que todos temos em certa medida, a um mundo feito exclusivamente de abstrações.
O pensamento “figurativo”, por assim dizer, que prefere imagens a letras e números, constitui sempre um sinal de vida – mesmo que venha acompanhado de um certo mau gosto.
(texto completo aqui: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq2305200720.htm – para assinantes UOL)