Segura e natural

por Roberta AR

“Ela disse hoje não meu tesão
Mas eu disse hoje sim, por que não?”
Menstruada, de Os Cascavelletes

“O primeiro absorvente higiênico ultrafino e com gel”. Era essa a publicidade que pretendia atrair meninas da minha idade quando da proximidade da menarca. A minha foi com quatorze anos e, por sorte, e um curso na escola, eu sabia exatamente do que se tratava. Não, não foi minha mãe que me explicou o que ia acontecer com o meu corpo antes que a mudança viesse.

Quando finalmente entrei naqueles dias, a mãe veio me dar seus conselhos. Do que eu mais me lembro foi o que fazia referência ao que os meninos poderiam sofrer com meu período. “Se você não se cuidar direitinho e trocar o absorvente de tanto em tanto tempo (não lembro exatamente quantas horas ela me disse, mas foi bem precisa), o cheiro vai escapar de você e os meninos vão saber o seu estado. E isso não pode acontecer com uma menina decente”, ela ensinou. Eu fiquei enojada com a situação toda, meu corpo estava todo alterado, eu não tinha o menor controle do meu fluxo (no início é tudo muito descontrolado mesmo, às vezes muito pouco, às vezes insanamente intenso) e ainda tinha que me preocupar com que os homens não sentissem repulsa de mim? Lembro que fiquei paranoica com isso, de que todo mundo ficaria me cheirando na rua e saberia o que estava acontecendo.

Eu estudava longe de casa, gastava mais de vinte minutos de ônibus para chegar. Um belo dia eu estava com pressa e não troquei o absorvente na escola antes de pegar o busu. Resultado, veio um fluxo enorme e vazou ali mesmo, no banco onde estava sentada. Por sorte meu agasalho do uniforme era azul-marinho e não ficaria extremamente marcado na hora que eu levantasse. Mas, meu deus, como assim meu corpo me sabotava daquela maneira? E eu ainda estava na metade do percurso! Suei frio pensando em como as pessoas estavam me encarando e que sabiam de tudo. Na hora de levantar veio aquela sensação de morte, de deixar aquela mancha lá e fugir.

Desde adolescente, ouço o como é degradante esse processo do corpo feminino. “É grotesco e animalesco”, me disse outro dia uma colega. Nojento, desnecessário, transtorno, trambolho, e adjetivos do gênero são usados para descrevê-la, a famigerada menstruação. É certo que muitas mulheres sofrem cólicas e outros tipos de transtornos, mas a repulsa a esse processo natural dos corpos vai bem além disso, é também uma repulsa ao que vem da mulher.

Tem os homens que se recusam a transar com mulheres neste estado asqueroso. Tem as mulheres que ficam obcecadas se o protetor higiênico está marcando ou não na bunda, porque ninguém pode saber que isso está acontecendo com elas em hipótese alguma.

Nem a propaganda de absorvente higiênico fala a palavra “menstruação”. E ela aparece azul na TV. E ela tem que ser o mais discreta possível, para que ainda sejamos atraentes para os homens, para que eles nos achem adequadas, como me disse a minha mãe quando me tornei mocinha. Porque mulheres não podem ter hormônios, não podem ficar de mau humor, ou são chamadas de malucas, isso é direito exclusivo dos homens, que podem ficar brabinhos e ir para o bar com os amigues para relaxar. Ser adequadas, cheirosas, limpinhas, bem-humoradas, prestativas, auxiliadoras, dispostas e discretas, esse é o papel que nos cabe. Caso contrário somos feminazis, masculinizadas, histéricas, mal-amadas, amarguradas.

“Cada mulher é diferente mas todas gostam de se sentir seguras e confiantes”, é o que diz o slogan do absorvente e é o que diz o mundo sobre como temos que tratar nossos corpos e vida. Sermos menos o que somos, mas mantermos a aparência “segura e natural”.

.

*Publicado originalmente no Jornal Pimba #2