Republico aqui a entrevista que fiz com as criadoras do site Nós, mulheres da periferia, em 2017. Este tem sido um importante veículo de informação sobre os impactos da pandemia nas periferias de São Paulo, com olhar estratégico e engajado. Leiam a entrevista e sigam essas mulheres nas redes (no final do post):
A criação de veículos de comunicação que retratem as realidades não registradas pelas mídias convencionais, a partir do olhar de outros grupos sociais, é uma necessidade que tem se consolidado na internet por meio de coletivos de todo o tipo. Nós, mulheres da periferia é um site feito por mulheres moradoras da periferia de São Paulo, que têm um olhar sensível e crítico sobre a vida das mulheres à margem das grandes cidades. Conversamos com elas para contar um pouco da trajetória deste site, que agora entra no universo audiovisual também, com a produção do documentário Nós, Carolinas.
Quem faz parte do projeto e como começou Nós, mulheres da periferia?
Nós, mulheres da periferia é um coletivo integrado ao todo por 7 mulheres, sendo 6 jornalistas e uma designer. Nós nos conhecemos por meio de uma rede independente e horizontal de correspondentes comunitários das periferias de São Paulo e regiões, organizados para produzir notícias que a grande mídia não veicula ou que contrariem a visão rasa e preconceituosa que tais veículos costumam disseminar sobre seus bairros (mais aqui: http://mural.blogfolha.uol.com.br/projeto_mural/).
O coletivo nasceu dentro de outro coletivo que era o Blog Mural, atual Mural Agência de Jornalismo das Periferias. No dia 7 de março de 2012, quatro das nove mulheres jornalistas que integram o coletivo publicaram artigo na seção “Tendências/Debates” do jornal Folha de S. Paulo, atentando para a invisibilidade e aos direitos não atendidos de uma parte das mulheres – as que moram em bairros periféricos de grandes metrópoles. O texto obteve grande repercussão, sendo replicado em outros veículos de mídia, como na coluna diária Mais São Paulo, da Rádio CBN. O artigo teve ainda mais repercussão e encontrou eco entre nossas iguais, outras jovens ou não tão jovens mulheres moradoras da periferia de São Paulo que finalmente tinham se sentido representadas, lembradas e retratadas. O artigo, por exemplo, foi lido e registrado em vídeo no Sarau do bairro Itaim Paulista, na zona leste da capital.
As integrantes são:
Aline Kátia Melo, da Jova Rural, zona norte de São Paulo; Bianca Pedrina, de Carapicuíba, Grande São Paulo; Jéssica Moreira, de Perus, zona noroeste; Lívia Lima, de Artur Alvim, zona leste; Mayara Penina, de Paraisópolis, zona sul ; Regiany Silva, da Cidade Tiradentes, zona leste; e Semayat Oliveira, da Cidade Ademar, zona sul.

Estamos acostumados com a narrativa dos centros sobre as periferias. O que há de diferente no olhar da periferia sobre si mesma e sobre a vida das mulheres na periferia?
Hoje em dia, não há nenhum veículo da grande mídia voltado apenas para a mulher. Mesmo entre os alternativos, não encontramos esse viés. E, naqueles da periferia, encontramos alguns assuntos, mas nenhum com foco na mulher. Além disso, um dos principais diferenciais de nosso projeto é que fazemos parte do universo que iremos retratar, pois todas moramos em bairros periféricos de São Paulo. Assim, observador e observado se fundem, marcando as nossas matérias com a sensibilidade de quem vive aquilo que escreve. O jornalismo é a ferramenta que escolhemos para dar voz às mulheres que nunca são ouvidas pela mídia e, quando são, é de forma sensacionalista ou sexista. Além disso, temos como objetivo pautar a grande imprensa, servindo de ponte entre a mídia e as mulheres não ouvidas da periferia.
O coletivo Nós, Mulheres da Periferia pretende contribuir para o empoderamento das mulheres moradoras da periferia de São Paulo, promovendo espaços de reflexão, debate, informação, troca de conhecimento, experiências e visibilidade sobre seus protagonismos, histórias e dilemas.
Vocês acabaram de produzir o documentário Nós, Carolinas, que fala sobre a vida de algumas mulheres moradoras das periferias de São Paulo. Foi a primeira experiência do grupo com audiovisual? Como foi a produção e escolha do que seria retratado?
Sim, foi a primeira experiência do grupo com audiovisual. As mulheres apresentadas fizeram parte do projeto Desconstruindo Estereótipos, realizado pelo coletivo em 2015, durante oficinas sobre a representação das mulheres moradoras das periferias na grande mídia. No final do mesmo ano, o coletivo lançou no Centro Cultural da Juventude (CCJ) a exposição multimídia Quem Somos [Por Nós], que incluiu uma série de entrevistas, a partir das quais, como uma segunda etapa deste projeto, foi criado o documentário. Ambos os projetos foram financiados pelo VAI (Programa de Valorização às Iniciativas Culturais) da Secretaria Municipal de Cultura da Prefeitura de São Paulo.
As oficinas intituladas Desconstruindo Estereótipos – eu, mulher da periferia na mídia, que tinham como proposta refletir junto às mulheres a forma como nossas histórias são retratadas na chamada “grande mídia” (TV, jornais, revistas) foram realizadas em 2015, durante cinco meses. Seis bairros de norte a sul da capital receberam as oficinas (Perus, zona norte, Campo Limpo, zona sul, Guaianases, zona leste, Jardim Romano, zona leste, Jova Rural, zona norte, e Capão Redondo, zona sul) e mais de 100 mulheres, de 17 a 93 anos, entre elas estudantes da rede pública (ensino regular ou EJA) e participantes de associações foram envolvidas no processo, em uma constante troca de conhecimentos e afetividade entre o coletivo e as mulheres. A dinâmica envolveu debates, exercícios, ensaios com máquinas fotográficas e telas de pintura. E, em um segundo ciclo do processo, nove destas mulheres foram entrevistadas individualmente, em vídeo, e de forma mais aprofundada. Os discursos, majoritariamente, refletem o desafio de enfrentar uma sociedade racista, machista e desigual, mas também a irreverência, força e os embates necessários para sobreviver neste ambiente.

Foto: Vinicius Bopprê
(o filme Nós, Carolinas está disponível no youtube neste link ou incorporado aqui embaixo)
Sobre o site, são muitas reportagens sobre a vida das mulheres nas periferias. Como é feita a escolha dos temas? Os especiais surgiram de alguma demanda específica?
Os especiais como moradia e trabalho doméstico surgiram depois de conversas e/ou reuniões de pauta presenciais e/ou virtuais, as nove integrantes (atualmente sete) do coletivo autoras dos textos, se basearam principalmente em suas vivências pessoais e familiares, visões e experiências cotidianas, perceberam naquele momento que o vazio de representatividade não era sentido apenas por elas. Desde o início do coletivo, iniciou-se um processo de pesquisa e consolidação do mesmo, que tem como objetivo principal dar visibilidade aos direitos não atendidos das mulheres, problematizar acerca dos preconceitos e estereótipos limitadores que se cruzam com as questões de classe social, etnia e raça, muito presentes em razão da localização geográfica das residências das moradoras das bordas da cidade

Foto: Vinicius Boppre
Que outros veículos de jornalismo produzido nas periferias vocês indicam?
Indicaria a Agência Mural de Jornalismo das Periferias onde nós integrantes do Nós, Mulheres da Periferia nos conhecemos.
Quais são os futuros projetos de Nós, mulheres da periferia?
O grande desafio é buscar condições financeiras que nos possibilite ampliar nosso campo de atuação e as formas de divulgação do nosso trabalho realizando mais circuitos de exibição do documentário em diferentes locais. Extrapolando o campo virtual e tornando as histórias e falas dessas mulheres ainda mais acessíveis e valorizadas.
Nós, mulheres da periferia pode ser acessado em http://nosmulheresdaperiferia.com.br/
No instagram: https://www.instagram.com/nosmulheresdaperiferia
No facebook: https://www.facebook.com/nosmulheresdaperiferia/
E-mail: contato@nosmulheresdaperiferia.com.br
(publicado originalmente no site MinasNerds em 2017)