Cantai

por Auta de Souza*

A Edwiges de Sá Pereira

Ó vós, que guardais no seio
Com tanto amor e carinho,

Com o mesmo doce receio
De um’ave que guarda o ninho:
As ilusões mais douradas
Que um’alma de moça encerra: –
Cantai as crenças nevadas
Que divinizam a terra;
Cantai a meiga harmonia
Das esperanças em flor,
Cantai a vida, a alegria,
Na lira santa do amor.
Cantai a vida, a alegria,

Dizei-o nos vossos cantos –
É uma aurora querida
Que desabrocha sem prantos.
Expatriai a saudade,

O espinho do coração –
Cantai a felicidade
De uma existência em botão.
É para vós a ventura,
A glória que o mundo tem…
Que vos importa a amargura
De um’alma que chora além?
Eu também irei cantando,
Como vós, meus pensamentos,
Vivendo sempre sonhando
Sem dores e sem tormentos.
E, já que não tenho amores,
E nem embalo esperanças…
Canto o perfume das flores,
Canto o riso das crianças

.

Auta de Souza (1876 – 1901) foi uma poetisa brasileira da segunda geração romântica (ultrarromântica, byroniana ou Mal do Século), autora de Horto. Escrevia poemas românticos com alguma influência simbolista, e de alto valor estético. Segundo Luís da Câmara Cascudo, é “a maior poetisa mística do Brasil”.