Uma história contada através do Atlas da Experiência Humana (parte 2)

por Luciano Vitoriano*

Lá estava eu, sozinho, em uma cidade desconhecida, sem lugar para ficar e com quase nenhum dinheiro no bolso. Eu havia trazido meus cartões, mas minhas economias tinham sido feitas com tanto sacrifício que eu não queria, agora, para satisfazer uma vontade que eu não sabia nem de onde vinha, torrar tudo o que tinha. Me deu uma grande vontade de voltar para trás, mas sentia que ainda não tinha cumprido a missão que eu tinha eu cumprir – seja lá que missão fosse essa.

A cidade de Perda é uma cidade muito conhecida. Pessoas de todos os pontos do país – e também muitos estrangeiros – visitam a cidade muitas vezes no ano. Algumas vêm à Perda por causa do trabalho, outros por motivos pessoais. Eu nunca havia conhecido Perda e as agências de turismo têm um lema para a cidade: “você não conhece a si mesmo antes de conhecer Perda”. Bem, ali estava eu.

Andei pelos arredores da estação até achar um taxi.

Conversando com o motorista, pedi informações sobre hotéis na região, preços, etc e ele disse conhecer um que, certamente, eu gostaria. Fomos conversando o caminho todo. Ele perguntou-me o que me trazia até Perda e eu, desconcertado, tive que dizer que não sabia exatamente o que estava fazendo ali. Na conversa, descobri que ele também era de Mudança, que morou muitos anos no bairro de Coincidência, na zona central, e que tinha se mudado para Perda há quinze anos. Resolveu passar um tempo ali depois da morte da esposa e, por fim, nunca mais foi embora. Quando o assunto começou a ficar triste demais, começamos a falar de futebol e, então, descobri que ele torce para o Esporte Clube Antítese, o “arqui-inimigo” do meu time, o Tese futebol clube, e isso rendeu assunto para os próximos quarenta minutos de viagem. Aliás, só demoramos quarenta minutos porque, segundo ele, distraiu-se com a conversa e acabou perdendo-se no caminho… Eu não quis brigar e paguei a corrida sem reclamar. Ainda bem que ele tinha máquina de cartão de débito no taxi.

Desci no hotel, fiz meu check-in e fui para meu quarto, de onde não saí o dia todo. Passaria ali o fim de semana e, então, voltaria para casa.

Liguei para a recepção para informar-me sobre passeios turísticos da cidade e a recepcionista –apesar da dificuldade para localizar informações em seu sistema – forneceu-me os roteiros mais conhecidos. O que mais agradou-me, afinal, foi um passeio para uma vila localizada a três horas de Perda, a oeste, em uma parte alta e fria da região das montanhas do Desespero, chamado Pico do Orgulho. Disseram que, de lá, conseguimos ver as cidades de Herói, Bravura e toda a região montanhosa de Coragem, Busca e Encurralado. Combinei o valor e horário. Eles ligariam para mim no dia seguinte, assim que a van da empresa de turismo chegasse.

À noite, eu estava cansado, mas, não sei porque, perdi o sono.

No dia seguinte, sem dormir nem um pouco, desci para a recepção do hotel para esperar a van. Assim que o carro estacionou na frente do hotel, a recepcionista acenou chamando-me. Ela teria que me entregar o ticket de embarque para que eu o apresentasse à empresa de turismo, comprovando meu pagamento. Mais uma vez, ela estava um pouco perdida e, com muita dificuldade, conseguiu imprimir meu comprovante. A van já estava quase saindo e, para não perdê-la, peguei rapidamente o papel das mãos da recepcionista e corri para a rua. Eles já estavam saindo quando eu bati algumas vezes na janela da van. Abriram a porta, entreguei meu comprovante e tomei meu assento.

A guia nos cumprimentou, informou que passaria em alguns hotéis para pegar outros passageiros e que, então, nos explicaria como seria nosso dia. A noite sem dormir, somada àquele stress matutino e à voz baixa e monocórdia da guia fez com que meu sono aparecesse. Dormi durante toda a viagem e perdi toda a explicação da guia. (continua)

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*Luciano Vitoriano é paulistano, fã de ficção científica e colecionador de profissões. Dorme pouco, sonha muito. Mora em São Paulo.