Amazon e o barato que sai caro

por Roberta AR

Bilionários não deveriam existir. Acho que este é o pensamento que mais tem me assolado nestes tempos pandêmicos (junto com o medo de morrer e a luta contra a sobrecarga do trabalho doméstico sobre as mulheres). Mas daí que bilionários só são bilionários porque sabem nos envolver nas ondas do marketing que o capitalismo proporciona. A gente pisca e está caindo no bait de um deles, que vem na forma de um processo seletivo que privilegia algum grupo minoritário (o mesmo que é explorado na cadeia produtiva deste mesmo bilionário) ou com um livro baratinho, para citar alguns exemplos. Aqui vou falar um pouco sobre o mal que este livro baratinho já está causando.

A ideia do consumo consciente, que está bem na moda, passa não só pelo que se consome, mas por onde se compra. Comprar direto de quem produz alimentos, roupas, produtos artesanais e também produtos culturais. São várias redes que se fortaleceram nestes últimos meses para tentar minimizar os efeitos dessa crise profunda que estamos vivendo. Compre do pequeno, diz uma das campanhas, mas foi o apelo das pequenas livrarias e editoras contra a Amazon que me pegou de jeito.

Por que ser “contra” a Amazon? O dono da Amazon foi considerado a pessoa mais rica do planeta até poucos meses e o possível primeiro trilionário do mundo (ainda está num confortável segundo lugar). Para alguém ser tão rico assim e fazer parte do punhado de gente que possui mais da metade da riqueza do planeta não basta acordar cedo, pegar o busão e trabalhar, não é mesmo? As condições imorais de trabalho na Amazon são denunciadas no mundo todo e é sobre esses corpos que aquele descontinho maroto naquele livro, gibi, gadget vai se fazendo. 

Pequenas editoras e pequenas livrarias

Mas não é só a exploração do trabalho de milhares de pessoas que possibilita o crescente monopólio da Amazon sobre o mercado editorial. A Editora Elefante fez um relato dolorido de como a empresa a está destruindo

Os preços que a Amazon pratica, porém, são inviáveis para qualquer um, até mesmo para nós, que produzimos o livro e fazemos a venda direta, sem passar por intermediários. Ainda assim, ela comercializa Calibã e a bruxa, de Silvia Federici, cujo preço de capa é R$ 60, por R$ 43,80 e Olhares negros, de bell hooks, que custa R$ 50, por R$ 36,50.

Mesmo as livrarias on-line que vendem mais barato usando a plataforma da Amazon não conseguem chegar a tal patamar. Como estamos dos dois lados do balcão, sabemos que ninguém consegue sustentar-se vendendo livros com tamanho “desconto” (que não é desconto, é dumping, e alguns países vêm tomando medidas contra essa prática). Fica claro, assim, que a Amazon — ao contrário das pequenas livrarias — não se mantém com a venda de livros.”

Em março de 2021, a Amazon pressionou editoras por descontos de quase 60% , o que gerou uma reação em massa das empresas e demonstra que não importa as condições dos pequenos, o importante são as condições dos grandes. Tem também as pequenas editoras e pessoas que se autopublicam que usam a Amazon como plataforma de vendas exclusivas. Por um lado, tem a comodidade de ser uma plataforma do tamanho que é, mas tem esses contras todos já relatados aqui que deveriam ser pesados nessa escolha.

É compreensível procurar o menor preço em tempos de aperto, mas quando tratamos de produtos que não são de primeira necessidade, como comida, é possível avaliar melhor a cadeia produtiva e comprar menos para tentar manter o que eu comecei a chamar de “segurança cultural”, porque essas empresas querem mesmo controlar o que circula ou não circula no mercado cultural. Esta é uma nova modalidade de censura que funciona quebrando pequenas empresas.

Este não é um assunto novo, a própria Editora Elefante já publicou o livro Contra Amazon, de Jorge Carrión, que reúne ensaios em que se discute o papel das pequenas livrarias, pequenas editoras na formação de leitores nesses tempos. Mas é possível encontrar muitos textos on-line sobre o assunto (estou linkando alguns no meio deste texto). 

Faz muitos anos que atuo próxima da cena independente de quadrinhos. Eu me tornei colaboradora num site para divulgar mulheres autoras que não saíam por grandes editoras, principalmente, e um dos focos na minha coluna era exatamente o de incentivar a compra direta das editoras e das autoras, muita coisa sai como autopublicação. Ainda com esta experiência do Facada X na cabeça (que tem licença creative commons e zero publi), segui uma linha editorial parecida por lá, mas, um belo dia, descobri que tinham colocado publi da Amazon (aqueles banners “compre por aqui”) e ninguém tinha sido avisado. “São poucos reais por mês, não pega nada” alguém pareceu sugerir. Me senti traída e fui realmente incompreendida sobre o problema que aquilo significava editorialmente para mim. Esses poucos reais vão de encontro ao discurso que aquele site dizia sustentar (e que vários outros sites “nerds” dizem ter também e com o mesmo banner) e são muito pouco dinheiro para quem recebe, mas significa muito para as pequenas editoras e livrarias que estão correndo risco de fechar (como a Itiban de Curitiba, recentemente). 

O que é possível fazer?

Mas vamos ser práticos, estamos todos sem grana e em busca do preço perfeito para adquirir aquele livro. É possível conseguir verdadeiras pechinchas nas diversas feiras que acontecem pelo ano. A Feira da Unesp e a Festa do Livro da USP reúne dezenas de livrarias que colocam livros do seu catálogo com no mínimo 50% de desconto, é só ficar ligado nas datas. Editoras e livrarias estão se reunindo e fazendo pacotes coletivos, como o OII – Obra Impressa Independente, que rolou no final de 2020 que reuniu Banca Tatuí, Dita Livros, Lovely House e O Jardim.

A editora Todavia fez uma campanha Viva a sua livraria recentemente de divulgação de livrarias de rua em todo o Brasil, com lindas ilustrações de artistas brasileiros, é só procurar por lá, que tem muita gente vendendo on-line. 

Ainda tem as feiras de publicação independente, que aconteceram em vários formatos durante a pandemia, como a Feira E-cêntrica, Feira Miolos, Motim, Poc Con, Perifa Con, Butantã Gibi Con e muitas outras, que além da feira de publicações, oferece uma programação que possibilita conhecer autores e o mercado editorial.

E os bilionários?

Sobre os bilionários, nos empurram a ilusão de que é possível ascender socialmente, mas o que vemos hoje é metade da população brasileira passando por alguma privação, enquanto temos 11 novos bilionários nacionais. Se você não vê que o dinheiro saiu da mão de muitos para ir para a desses poucos, corre sério risco de ser mais um fiel dessa religião chamada Capitalismo. Não quero culpabilizar as vítimas (nós mesmos) e jogar a responsabilidade nas nossas costas. Mas podemos começar a pensar, coletivamente, maneiras de não nos deixarmos vitimar tão violentamente. Resistir é preciso e mais do que urgente.